terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Primeira vez que fui à Toca da Raposa


Há certos momentos que ficam indelevelmente marcados na memória de cada um. Eu sei exatamente onde estava, como estava vestido e o que fazia na noite de 30 de julho de 1976: estava em Aimorés-MG, na casa de minha avó, usava uma camisa de malha azul com cinco estrelas no peito e aguardava ansiosamente acabar a novela das 08:00hs (acho que era Duas Vidas) para que começasse a transmissão de Cruzeiro x River Plate direto do Estádio Nacional de Santiago do Chile. Transmissão ao vivo pela TV era coisa rara, ainda mais em Aimorés, que fica na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, às margens do Rio Doce. Mas, naquela noite, a sorte sorrira para mim e eu estava pronto para assistir o jogo mais importante da vida do Cruzeiro até então. 
Acabado o capítulo da novela, minha avó se retirou para o seu quarto e fiquei sozinho na sala assistindo o jogo. TV em preto e branco e com uma folha de papel celofane azul em frente à tela, para dar a impressão de ser uma TV colorida. Era muita emoção! Eu gostaria muito que meu pai estivesse ali junto comigo naquele momento, mas ele, por motivo de trabalho, havia ficado em Belo Horizonte. É horrível assistir um jogo tão importante sozinho.
Bem, começou o jogo e a TV Telephunken transmitia a todo o vapor. Aos  24 minutos do primeiro tempo Nelinho abriu o marcador que assim permaneceu até o intervalo. Na volta do jogo, entre o décimo minuto e o vigésimo, fui do êxtase à loucura, com Eduardo fazendo o segundo do Cruzeiro e em menos de três minutos o River Plate empatando o jogo. Sufoco atrás de sufoco, Raul dando seus golpes de vista (ele tirava as bolas só com o olhar), Joãozinho dando um baile e a defesa lutando muito, quando de repente, aos 40 minutos... Acabou a luz! Meu Deus! E a luz não voltou. Dormi sem saber se éramos campeões ou não.
Àquela época, para se telefonar de Aimorés para Belo Horizonte, era uma epopeia bíblica! Ligava-se para a telefonista da cidade e ela nos dava uma previsão de quanto tempo demoraria para efetuar a ligação, que às vezes esperava-se cinco horas! No dia seguinte, pedi a ligação para Belo Horizonte e saí para ver se conseguia comprar um jornal que falasse o resultado. Somente havia jornais do Rio de Janeiro. Nem me lembrei que a Rádio Aimorés era afiliada da Rádio Itatiaia e que lá conseguiria tal informação. 
Moral da história: somente depois do almoço consegui falar com meu pai, que já atendeu gritando a manchete do Diário da Tarde daquele dia: TUDO AZUL NA AMÉRICA DO SUL! Me contou em detalhes como Joãozinho marcara o gol do título, como ficara nervoso ao ver que o moleque chutara a bola que deveria ser chutada por Nelinho. Acho que poucas vezes ouvi a voz de meu pai soar tão entusiasmada!
Gozei a cara de todos os primos, a maioria flamenguista, que não deram muita bola para a conquista, pois, afinal, a Libertadores não dava muito IBOPE aqui no Brasil.
Bem, voltei para Belo Horizonte, chacoalhando em um vagão da Vitória-Minas, feliz igual pinto no lixo devido à vitória maravilhosa. Infelizmente não consegui assistir o vídeo tape do gol de Joãozinho. 
Meses após a conquista, recebi a visita de meu primo Adelmo, carioca, filho de um conselheiro do Flamengo, que queria muito conhecer a Toca da Raposa, que à época era o melhor centro de treinamentos da América Latina, frequentada pela seleção brasileira. Consegui um convite, pegamos o ônibus e começamos nossa aventura para chegar naquele fim de mundo. Naquele tempo, as linhas de ônibus não chegavam até a Toca da Raposa. O máximo que iam era até a praça São Francisco, e de lá fomos a pé até o CT.
Quando lá chegamos, o porteiro já nos desanimou dizendo que não havia nenhum jogador presente, que estavam todos em viagem para algum compromisso do time. Além do mais, não havia, como hoje em dia há na Toca da Raposa II, monitores explicando os detalhes do centro de treinamento. Fomos explorar os prédios e campos. Em todo o lugar imaginávamos os jogadores em ação: as traves onde Raul treinava suas defesas, as escadarias onde Joãozinho e Darci faziam suas resenhas após as refeições, a cadeira na qual Piazza assentava para almoçar, a sala de cinema onde Zezé Moreira dava suas preleções, a capela onde Eduardo fazia suas orações e assim íamos suprindo a ausência dos craques com nossa fértil imaginação.
Quando estávamos na porta da sala de cinema, fomos advertidos por um empregado da Toca de que a partir dali não poderíamos ir adiante, pois ali começava o setor de quartos da concentração. Era local restrito e vedado ao público. Assim que o empregado se retirou, meu primo, carioca esperto, abriu a tal porta e entrou resoluto. Eu, bom mineiro, obediente às normas, me desesperei e tentei puxá-lo de volta. Ele, irredutível foi corredor adentro e para meu maior desespero, abriu uma das portas dos quartos.
O quarto não estava vazio. Havia uma pessoa dentro. Havia um jogador dentro. Havia o Joãozinho dentro do quarto! Aos quinze anos de idade quase enfartei! 
Não sabia se ria ou me desculpava. Meu primo, carioca esperto, já entrou se assentou na cama ao lado da de Joãozinho, se apresentou, me apresentou e elogiou a molecagem que nosso camisa 11 fizera na final da Libertadores da América. Joãozinho gostou do papo de meu primo e começamos a fazer uma belíssima resenha. Ele contou em detalhes como acontecera o gol, como Nelinho quis pegá-lo de tapas mesmo com a bola no fundo da meta. Contou que o técnico o chamou de irresponsável uma dezena de vezes no vestiário e que, se fizesse aquilo de novo, seria um eterno reserva enquanto ele fosse o treinador.
Eu não sabia se estava acordado ou vivendo um sonho!
Após uns quinze minutos de conversa nos despedimos e fomos embora para casa. Àquela altura, tendo conversado com Joãozinho, tudo o mais era muito pouco. O caminho entre a Toca e a Igreja da Pampulha passou em um minuto, pois tínhamos assunto demais para conversar. Como agradeci ao Adelmo a sua ousadia em abrir aquela bendita porta! Como era bom ter um rpimo carioca, garoto esperto!
Voltei a encontrar Joãozinho em 2005, na Agência Renascença da Caixa Econômica Federal, onde o craque foi receber o valor do FGTS de quando fora jogador do Cruzeiro. Aliás, há tantos clubes que não pagam nem o FGTS dos jogadores que estão atuando, e o nosso Cruzeiro pagou o FGTS de todos os ex-jogadores que por lá atuaram. Perguntei ao craque se lembrava da história e, por educação (ou medo de não receber seu dinheiro...) disse que se lembrava muito. Ele pode ter esquecido, eu não.
Algum tempo depois, houve uma cerimônia no Bar do Cruzeiro, na Savassi, onde ex-atletas receberam credenciais para assistirem jogos do Cruzeiro, sem pagar ingresso. Haviam muitos ex-craques e o Departamento de Marketing preparou uma belíssima festa. Nos telões passaram vários gols de todos os tempos, entre eles, o gol de Joãozinho, daquele longínquo 30 de julho de 1976. Após trinta anos de espera, consegui ver o gol que a falta de luz me impedira de assistir ao vivo. Parodiando Camões, acho que mais trinta anos esperaria, pois para tão grande amor ao meu Clube tão curta vida!

4 comentários:

  1. Belo texto e bela história. Continue contando suas histórias do Cruzeiro. Cada vez que venho aqui e leio, me sinto mais Cruzeirense. Pessoas como você, Cruzeirenses, são também parte da história do nosso clube, tal como nossos ídolos em campo. E quem sabe um dia essas histórias não virem um livro.

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  2. Eu choro duas vezes, uma, de emoção ao relembrar a conquista, e duas, porque nesse dia eu estava fazendo prova de química no Colegio Batista. Fiquei em recuperação.

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  3. ahh sério?? Essa história é INCRÍVEL!!

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