quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pão e futebol!

No dia 19 de junho de 1996 saí cedo da Caixa em Sabará por dois motivos: o primeiro foi que estava tremendamente gripado, com dores no corpo, muita coriza e também espirrando muito; o segundo, e principal, era que naquela noite seria disputada a final da Copa do Brasil. 
O primeiro jogo havia acontecido no Mineirão e tinha terminado empatado em 1x1. Com isso, a vantagem do empate sem gols era do Palmeiras no jogo de volta que seria disputado em São Paulo no Palestra Italia.
Como disse o jornalista Juca Kfouri em determinada ocasião, tirando a apaixonada torcida cruzeirense, todo o Brasil sabia que o Palmeiras iria vencer e se sagrar campeão. Afinal, o Palestra de São Paulo possuía, disparado, o melhor time do Brasil e quem sabe, do mundo! Os italianos de São Paulo conseguiram um patrocínio da empresa italiana de laticínios Parmalat que lhes possibilitou montar uma verdadeira seleção brasileira. A escalação do time que jogou naquela noite foi simplesmente: Veloso, Cafu, Sandro, Cléber e Júnior; Cláudio, Amaral, Marquinhos, Djalminha, Rivaldo e Luizão! O técnico era o performático Wanderlei Luxemburgo, à época, o manda chuva entre os treinadores.
O Palestra mineiro também tinha um belo time, mas não dava para comparar individualmente com o irmão paulista. Jogamos com Dida,Vitor, Célio Lúcio, Gelson Baresi e Nonato; Fabinho, Ricardinho, Cleisson, Palhinha,Marcelo Ramos e Roberto Gaúcho. A apaixonada torcida Cruzeirense sabia que o futebol é um espote coletivo e não individual.
Bem, cheguei em casa, liguei a TV no canal da Bandeirantes, que era o que transmitia a Copa do Brasil, e comecei a lanchar. Minha esposa veio assentar ao meu lado e reclamou que não havia pão em casa, pois eu não tinha passado na padaria quando vim de Sabará. Expliquei que vim direto porque estava muito gripado. Ela retrucou que apesar da gripe estava pronto para assistir futebol na TV. 
Ah! As esposas... Sempre com respostas prontas para todas as ocasiões onde precisam demonstrar que são fundamentais em nossas vidas!
Tive vontade de dizer que centenas de amigos Conselheiros haviam fretado um avião e que naquela hora estavam em São Paulo para assistirem o jogo, e que eu não fora por causa da gripe. Mas fiquei quieto. Com certeza ganharia mais alguma frase de efeito.
À medida que se aproximava mais a hora do início da partida, o narrador Sílvio Luiz mais demonstrava a sua tendência para dar o título antecipadamente para o Palmeiras. Como aquilo me irritava! E como a Beatriz contribuía sobejamente para aumentar mais ainda a minha irritação! Em determinado momento ela veio me atormentar e soltou uma pérola: Não tem pão. Suas filhas vão ficar sem pão no café da manhã! Onde já se viu? Uma casa que não tem pão! Ah! Mas futebol na televisão tem. Acho que você gosta mais do Cruzeiro do que de sua família!
Meu Deus! Que coisa irritante! Aliás, o que era mais irritante, Beatriz ou Sílvio Luiz? Rimou! Bem rimou e começou o jogo. O Palmeiras atacando e o Cruzeiro se virando, se defendendo e lutando.
De repente, aos cinco minutos Luizão abre o placar! Eu gritei: Não, não, mil vezes não!
Beatriz correu para a sala e falou: Eu sabia, não comprou pão, foi castigo! 
Naquela hora o sangue talhou nas veias e soltei um sonoro palavrão, que mesmo em italiano faria muito sucesso entre os leitores. Gritei tanto que ela, sem graça, se recolheu e foi dormir.
Sozinho na sala, fiquei torcendo e sofrendo, vendo a Bandeirantes mostrar as janelas dos prédios vizinhos ao Parque Antártica piscando as luzes em sinal de contentamento. Que sufoco!
Porém, aos vinte e cinco minutos da etapa inicial, Roberto Gaúcho dá uma caneta no Amaral e marca um golaço! 
-É do Cruzeiro! Foi, foi, foi... foi ele! Roberto Gaúcho! O craque da camisa onze! Gritou sem muita convicção o narrador palestrino paulista.
No segundo tempo foi o massacre da serra elétrica. Como o Palmeiras massacrou o meu Cruzeiro. E como Dida se agigantou e fechou o gol. Pegou tudo, até pensamento!
Bem, o jogo já se encaminhava para seu final e para os pênaltis, quando Roberto Gaúcho cruza uma bola na área, Veloso sobe soberano para fazer uma defesa fácil e... deixa a bola escapar que cai nos pés do matador azul Marcelo Ramos que fuzila as redes palmeirenses. O que o Silvio Luiz gritou?
-Eu não acredito! Isso não pode estar acontecendo! É do Cruzeiro...
Meus amigos, que momento sublime! Como descrever a sensação que eu e mais alguns milhões de Cruzeirenses estávamos sentindo naquele momento? Aliás, é bom dizer que somente nós estávamos sentindo, pois como disse Juca Kfoury, somente os Cruzeirenses mais apaixonados  esperavam uma vitória do Palestra Mineiro. Como é bom, Juca Kfoury, ser Cruzeirense!
Bem, o final do jogo vocês já sabem: São Dida fechou o gol e ganhamos, vencemos e fomos campeões mais uma vez.
Eu não me continha, queria abrir a janela, gritar, cantar, o que fosse, quando o telefone toca. Era meu cunhado Luiz me dizendo que a comemoração no bar Amoricana, na Savassi, estava bombando e que era para eu ir para lá comemorar.
Não pensei duas vezes e saí bem depressa. Fiquei no Amoricana até as duas da manhã e voltei para casa.
Chegando em casa, tomei um banho e fui me deitar. Beatriz meio sonolenta me perguntou: Você saiu? Onde foi?
Recebeu uma resposta "na lata": Fui comprar pão. Rodei todas as padarias de Belo Horizonte e não achei nenhuma aberta! Ah! Por essa você me paga!
No dia seguinte fui trabalhar e mandei fritar torresmos, no restaurante Cê qui Sabe, em Sabará. Servi torresmo para todos os meu clientes naquele dia vinte de junho! Começamos comendo porco na noite anterior e continuamos comendo porco por todo o dia seguinte!
Que dia de glória! E a gripe? Que gripe? Sarei!

3 comentários:

  1. Esta foi a maior atuação de um goleiro na história do futebol!

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  2. Me identifiquei com a sua audiencia solitária, caro Anísio... Eu também estava sozinho, assistindo o jogo na casa da minha irmã. Ela havia viajado e pediu que vigiasse sua casa. Então peguei minhas coisas e fui dormir lá. Depois do apito final me senti da mesma forma como descreveu: vontade de gritar, de socar as paredes, chacoalhar minha camisa e vontade que tivesse alguem para desfrutar desse momento histórico, dessa página heróica do nosso clube querido... tantas vezes combatido e jamais vencido!!!

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  3. Eu estava assistindo na TV com meu filho de 3 anos. Quando terminou o jogo, era tanta alegria, que peguei meu filho de 3 anos, e fomos de carro para a savassi e Av. Afonso Pena, gritando e buzinando. Foi uma noite fantástica. Inesquecível.

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