sábado, 21 de janeiro de 2012

O dia em que votei contra o Zezé Perrella

Uma das belas lembranças que trago de minha infância é a dos almoços em família. Na década de 1960 Belo Horizonte era uma cidade tranquila e pacata. Meu pai trabalhava no Bemge da Praça 7 e almoçava todos os dias em casa. Era muito gostoso, todos os dias, às 12:30 nos reunirmos para o ritual de espantarmos as moscas da sala de jantar e almoçarmos juntos: meu pai e minha mãe e os quatro filhos. Era sagrado.
Um dos assuntos prediletos de meu pai era o futebol e particularmente o Cruzeiro Esporte Clube. Meu pai dizia que, no início do ano de 1921, meu avô, o italiano Antonio Cescotto, em uma viagem à capital mineira participara da reunião acontecida na Società di Monte Socorso onde fora fundada uma equipe de futebol de italianos. Assim sendo, toda a família nutria uma admiração muito especial por aquele time de garotos que assombrava o Brasil batendo os grandes do Rio de Janeiro e São Paulo. O bom Anísio Ciscotto também gostava de contar sobre os bastidores do clube do Barro Preto, com as informações privilegiadas que conseguia com um amigo "Conselheiro do Cruzeiro". Era tão grande o orgulho que tinha de dizer que tinha um amigo conselheiro, que me passava a impressão de que era o melhor e mais especial amigo que tinha.
Os anos passaram, os filhos casaram e a amizade com o Conselheiro continuara intacto.
Em 1991, por uma das ironias do destino, vendi minha cota do Minas Tênis Clube e comprei uma do Cruzeiro Esporte Clube. Em 1994 fui convidado pelo então Presidente do Cruzeiro, o italiano César Masci, para fazer parte da chapa que concorria ao Conselho Deliberativo. Aceitei e fui eleito. Acho que meu pai chorou de emoção por uma semana, pois agora tinha não só um amigo Conselheiro, mas também um filho Conselheiro. E mais: agora havia um Conselheiro que tinha o seu nome e sobrenome!
Participei de várias reuniões e sempre fui muito ativo e atuante. Em 1994 votei em Zezé Perrella para Presidente, que foi eleito para um mandato de dois anos. Junto à eleição de Zezé, foi reeleito como Presidente do Conselho Deliberativo o meu grande amigo e padrinho político Djalma José Fernandes. É interessante reparar que o mandado do Presidente do Clube era de dois anos e o de Conselheiro era de três anos.
Havia uma movimentação política dentro do Conselho com o escopo de igualar os mandatos. Tal movimento era apoiado pela diretoria do Clube, tendo em vista que, elegendo o Conselho Deliberativo juntamente com o Presidente do Clube, as chances de se evitar uma oposição no legislativo Cruzeirense seriam grandes. Assim sendo, foi marcada uma reunião com fulcro na mudança do estatuto, acertando os prazos de mandatos, os períodos eleitorais, a forma de eleição e também a proibição de reeleição do Presidente do Conselho Deliberativo. Também continha um adendo, dizendo que o Presidente do Clube teria direito a uma reeleição. Como era um novo estatuto, entendeu-se que o Presidente Zezé Perrella "zeraria" a contagem de seus mandatos, tendo direito a um mandato de três anos e mais uma reeleição. Foi o que aconteceu e Zezé ficou como Presidente do Cruzeiro por oito anos.
Na reunião que aconteceu com o salão de festa do Parque Esportivo Barro Preto lotado, houve uma explicação do que se modificaria no estatuto. Como o Conselho do Cruzeiro é repleto de advogados, procuradores e desembargadores, a polêmica foi grande. Gilvan teve muito trabalho naquela noite. Quando chegaram na parte que proibia o Presidente do Conselho Deliberativo se reeleger, pedi explicações, alegando que o Presidente Djalma, era uma pessoa de escol e muito bem preparada para o cargo. Aleguei que se o Presidente do Conselho Diretor tinha a prerrogativa de se reeleger, o do Conselho Deliberativo também deveria ter. Gilvan explicou a todos que seria uma maneira de proporcionar a mais Conselheiros a possibilidade de ter a honra de assumir tal cargo. Achei uma injustiça com o Dr. Djalma e não concordei.
O Presidente do Conselho convocou então os Conselheiros para que aprovassem o estatuto pelo voto, pedindo aos que concordavam com a nova redação do estatuto ficassem assentados e os que não concordassem ficassem de pé. Sem pensar muito, levantei-me instantemente.
Aí, vi o passo enorme que tinha dado. Somente eu, César Masci, Sérgio Ferrara, Obregon Gonçalves, o Flávio, filho do Dr. Djalma e mais uns três gatos pingados, ficamos de pé. 
Como foi constrangedor para mim! Eu, recém chegado ao Conselho Deliberativo, já votava contra a imensa maioria! E como fui fuzilado naquela noite com os olhares desaprovadores da mesa diretora! Bem, sentar de volta eu não podia, seria um vexame. Fiz cara de mártir das idéias e liberdades e me mantive em pé. O Presidente deu por aprovado o novo estatuto e pude então me assentar.
Pensei comigo mesmo que minha carreira de Conselheiro estava acabada pelo meu voto destoante, que seria evitado por todos e viraria um pária. Afinal, todos os que votaram contra eram ex-presidentes ou do Clube ou do Conselho. Eu não. Eu era um jovem Conselheiro muito abusado. 
Para minha surpresa, o que mais recebi foram palavras de elogio pela minha atitude. Inúmeros colegas vieram apertar minha mão e cumprimentar-me pela minha ousadia e coragem: É disso que o Conselho precisa, de gente que tenha coragem de expor suas ideias! Até o Zezé veio conversar comigo e me cumprimentou e incentivou. Apenas um vice-presidente veio me puxar as orelhas. Me disse que eu já poderia me considerar fora da chapa para o Conselho nas próximas eleições!
Procurei depois o decano dos Conselheiros, o Dr. José Francisco Lemos Filho, que é na verdade um paizão de todos: ex-Presidente do Clube, ex-Presidente do Conselho Deliberativo, à época Vice-Presidente de Zezé Perrella. Expliquei que meu voto contrário visava simplesmente mostrar minha posição contrária à saída do Dr. Djalma. Se o Zezé ganharia mais um mandato, que o Dr. Djalma ganhasse também. Dr. Lemos me tranquilizou e disse que meu voto contrário era necessário para mostrar a todos que o Conselho do Cruzeiro não era "uma vaquinha de presépio" e que a liberdade de opinião era presente em nossa corte maior.
A partir daquela reunião, ganhei um rótulo de "independente", que perdura até hoje. O fato de ter mostrado publicamente meu descontentamento me proporciona, até hoje, a felicidade de ser procurado pelos amigos do Conselho me pedindo minha opinião em assuntos importantes do Clube e também meu posicionamento nas votações. É bom ter o respeito dos amigos.
Vale a pena ressaltar, que tenho comigo que aquele voto também me deu algum prestígio eleitoral e, nas últimas eleições para o Conselho Fiscal, tive convite de três das quatro possíveis chapas que vieram a se mobilizar para o pleito. Duas postularam os votos e a minha foi a vencedora.
Bem, finalizando, após a reunião, fui até a casa de meu pai e lhe contei o que sucedera. Ele me deu um forte abraço e me aconselhou: o voto é seu e ninguém pode votar por você. Fez muito bem. Vou contar para o meu amigo Conselheiro e ver se ele teve a sua coragem!
Não sei o que o amigo Conselheiro falou.

6 comentários:

  1. O Cruzeiro é o que é hoje graças a pessoas de coragem e de bem. Acredito muito na era Gilvan e nos Guerreiros dos Bastidores.

    Estamos com vocês e acima de tudo Cruzeiro Sempre!
    @cmarquesmg

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Acabei de descobri o seu blog Sr. Anísio. Vou indexá-lo na minha lista dos Blog's Cruzeirenses.

    O texto é belo e faz-me recordar de meu falecido pai que, como o seu, me passou essa nobre herança de ser um torcedor Azul!

    Sua posição firme e embasada trouxe-lhe o respeito exatamente por ser motivada, e bem motivada. Não fosse isso com certeza não teria recebido a consideração dos outros conselheiros.

    Sds. Celestes

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  4. É Anisinho,
    Se todos tivessem sua coragem, muitos não andavam de cabeça baixa, com vergonha de suas atitudes. Tenho certeza que o Sr. Anísio ficou satisfeito com a sua posição e honradez.
    Um beijo,
    Carla Coutinho

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  5. não gosto do fato de não existir oposição no cruzeiro , vez ou outra aparece chapas alternativa o que não é a mesma coisa ,até então esse conselho sempre foi muito submisso ao perrela e família essa dinastía duradoura sobre os desmando do perrela fez muito mal ao cruzeiro ,vejo um clube parado no tempo ,preso a obrigatoriedade de vender seus craques para manter o time , isso é fantasioso nos dias de hoje , há varias outras formas de manter o time pois é impossível atrair investimentos e até o consumo da marca pelo torcedor se não tiver um time competitivo com jogadores qualificados ,essa é a nova maneira de atrair lucros .espero que o Doutor Gilvan consiga mudar essa identidade do cruzeiro ,e que junto o conselho mude sua teoría de que manter uma longa dinastía não da mais no cruzeiro , que no final do mandato do doutor Gilvan possa ter uma chapa realmente de oposição e que possa ter o aval do conselho para mudar as coisas no cruzeiro inclusive esse estatúto retórico e arcaico ,,precisamos renovar inclusive o conselho ,idéias novas precisa ser incorporada nas próximas administração cruzeirense .
    grande abraço Anisio ciscotto

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  6. Cheguei ao seu blog através do blog do Zirlei Pereira. Acabei de ler todos os seus posts, genial. Parabéns!

    Também compartilho das palavras do Zirlei, citadas no comentário acima.

    Abraço Azul,

    Harry Assaf
    Curitiba/PR

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