Em 14 de janeiro de 2014 a família Cescotto comemora 125
anos que chegou ao Brasil. Vieram de Maron di Brugnera a bordo do vapor Pacífica.
Embarcaram no porto de Gênova e desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, sendo
remetidos à hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores em Niterói. De lá,
foram embarcados em um trem da Leopoldina Railway e levados até Rochedo de
Minas, àquela época distrito de São João Nepomuceno. Na verdade, desembarcaram em uma estação de trem
que existia no interior da própria fazenda, uma vez que, naquela estação, eram
embarcadas as sacas de café que a fazenda produzia e eram levadas até Juiz de
Fora.
Os
membros da família Cescotto chegados ao Brasil naquela data eram dois irmãos
com suas esposas e filhos. O mais velho se chamava Angelo e tinha 57 anos de
idade. Veio com sua esposa Maria, de 44 anos, e seus filhos Pasissina (19),
Giovachinno (16), Regina (14), Pasqualle (13), Pietro (10), Benedetto (07) e
Caterina (04). O casal Angelo e Maria perdeu um filho, Giovanni, que morreu
durante a viagem. O jovem Giovanni era gêmeo de Bennedetto e embarcou com a
família em Gênova mas, por algum motivo desconhecido, faleceu a bordo do
Pacifica e teve seu corpo lançado ao mar. O outro irmão chamava-se Felice e
tinha 50 anos quando chegou ao Brasil. Veio acompanhado de sua esposa Angela de
47 anos de idade. Com eles vieram sete filhos, a mais velha, com 17 anos era
Maria. Depois vinham Luizia (15), Antonia (14), Giovanni Battista (11), Anna
(09), Antonio (05) e Giulietta com apenas dois anos.
A
viagem durou perto de 30 dias e os passageiros eram divididos em grupos de dez,
havendo um que seria responsável pelo contato com a tripulação para organizar a
alimentação do grupo. As acomodações eram no fundo do barco e os italianos
dormiam em beliches de quatro andares, com várias pessoas em cada cama, que
constava apenas de colchão; nada de travesseiros, roupa de cama ou banho.
Devido ao medo de peste, roedores e outras pragas, passavam a maior parte do
dia no convés do navio expostos primeiramente ao frio do hemisfério norte (como
saíram de Gênova em meados de dezembro, saíram em pleno inverno), e depois ao
calor extremo do hemisfério sul. Comiam biscoitos e sopa.
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Italianos no convés do navio. |
Quando
chegaram ao Brasil foram direto para a Hospedaria da Ilha das Flores onde
passavam um período de quarentena para adaptação ao clima e verificação do
estado de saúde dos imigrantes. Eram identificados, recebiam documentos e eram
encaminhados ao seu local de destino, no caso, Rochedo de Minas.
No caso dos Cescottos foram
recebidos na Fazenda do Rochedo pelo proprietário com uma demonstração dos
produtos da terra e os que mais agradaram os italianos foram os derivados da
cana de açucar, uma vez que havia um grande engenho de cana. Melado, garapa, a
própria cana, rapadura, açúcar e todos os derivados que provocaram grande
contentamento entre os recém-chegados, principalmente as mulheres que viram a
possibilidade de produção de doces em geral. As frutas da região também foram
apresentadas e a goiaba foi a que mais agradou. Um dos imigrantes, o
chefe de um ramo da família Cescotto, Angelo, quebrou alguns de seus dentes ao
confundir uma touceira de bambu com um pé-de-cana. Cortou um bambu, descascou-o
e tentou comer. Também há o caso de outro que comeu uma moranga que começava a
desabrochar pensando tratar-se de uma goiaba. Tiveram também o primeiro contato
com o motivo de sua vinda: o café.
É
importante ressaltar: o italiano em Minas Gerais não veio substituir o escravo,
isto é um erro histórico. Veio trabalhar ao lado do escravo. Com o aumento
contínuo da produção de café e a extinção da vinda de negros para o trabalho
nas lavouras, a maneira de complementar a mão de obra foi a importação de
europeus. Os ex-escravos foram os professores e técnicos dos italianos. Cada
família recebia um lote de pés de café e era responsável pela colheita, limpeza
do cafezal e entrega das frutas nos pontos onde os carros de boi recolhiam a
produção para ser levada aos terreiros e armazéns na sede da fazenda. O local
onde a família de Felice Cescotto se instalou chamava-se Pedra do Ôco.
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A colheita do café. Até as crianças trabalhavam. |
A segunda geração dos Cescottos
já se ocupou da operação de maquinário e criação de novas técnicas de produção.
O caçula de Felice, Antonio, tornou-se o administrador geral da fazenda e
chegou a tal ponto sua eficiência, que foi convidado pelo Presidente da
República, Arthur Bernardes, a fazer parte de uma comissão que cuidaria da
fundação da Escola Agrícola de Viçosa, hoje a prestigiosa Universidade Federal
de Viçosa. Em suas viagens da Capital Federal para sua terra natal (Viçosa)
Bernardes passava com seu trem pela Fazenda do Rochedo e muito se
impressionava. O convite para fazer parte da comissão foi feito na cozinha da
casa de Antonio, pois os trilhos da Leopoldina passavam rentes à entrada da
casa. Maria, a esposa de Antonio, teve o prazer de servir um café ao Presidente
da República. Quando de sua vinda a Belo Horizonte para participar de uma
reunião sobre a Escola Agrícola, Antonio teve o convite de participar de uma
reunião da comunidade italiana. Era o dia 02 de janeiro de 1921 e Antonio compareceu à reunião que fundou a Società Sportiva Palestra Italia, que depois se
transformou em Cruzeiro Esporte Clube.
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Possível foto da reunião de fundação do Palestra (do livro de Palestra a Cruzeiro: uma trajetória de Glórias) |
Hoje a família Cescotto está espalhada
por grande parte do território nacional: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito
Santo, São Paulo, Paraná e Mato Grosso. Já virou Ciscotto, Ciscouto e até Assis
Couto. Na Itália, são poucos os Cescottos remanescentes. Em recente viagem ao
país de origem, fui conhecer a terra de nossos antepassados, cuja região se
chama Friuli-Venezia-Giulia. Maron di Brugnera é um distrito (paese)
pertencente à cidade de Brugnera, que fica na província de Pordenone. Procurei
saber sobre como era a região à época da vinda da família Cescotto para o
Brasil. Ficou difícil estabelecer uma causa satisfatória, pois pude constatar
que, à época da vinda, não havia desemprego e que a região estava altamente
industrializada, sendo uma das mais ricas do norte italiano. Havia muitas
indústrias têxteis. Talvez a migração de mão de obra do campo para a indústria,
tenha impulsionado a vinda dos trabalhadores agrícolas italianos. Com certeza
houve um trabalho de convencimento por parte de um representante do fazendeiro
Joaquim Clemente de Campos, dono da Fazenda do Rochedo. É importante ressaltar
que, o Rei da Itália, recém-unificado país europeu, somente permitiu que os
friulanos viessem para Minas Gerais. Após se instalarem em Rochedo as novas
gerações se espalharam pelo Brasil afora.
Na data dos 125 anos de chegada
da Famiglia Cescotto ao Brasil, presto esta singela homenagem a Angelo e ao
Vovô Felice que tiveram a coragem de atravessar o Atlântico e vir tentar a
sorte no Brasil. Escolheram bem a região onde se instalariam, pois Rochedo,
terra de montanhas, em muito lembra a pequena Maron aos pés dos Alpes. A gente
mineira da zona da Mata também lembra muito os italianos friulanos. Enfim, foi
uma combinação que deu certo. Colocarei algumas fotos de Maron para que os interessados
possam conhecer nossa terra. Aliás, colocarei um link com uma propaganda
institucional sobre a Região do Friuli-Venezia-Giulia. Vale a pena assistir e
colocar o Friuli como destino em um passeio pela Italia. Quem vai a Veneza com
certeza pode dar uma “esticada” até Trieste (capital da reião friulana). É como
Rio de Janeiro e Niterói, uma em frente à outra.
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Chegada de Maron di Brugnera |
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Os Pré-Alpes |
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Matriz de Maron |
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Área urbana. |
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Centro de Maron
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Matriz de Maron com o Monumento aos soldados mortos na Primeira e Segunda guerras mundiais. |