Posto aqui no meu blog uma monografia que fiz em 2005 para um curso de especialização em História.
Para os mais novos servirá de referência para discutir quando o assunto for abordado por saudosistas do período ou para aqueles que não têm saudade nenhuma.
Boa leitura!
Este é um país que vai prá frente!
A propaganda governista durante o regime militar
Brasil: Ame-o ou deixe-o![1]
1 INTRODUÇÃO
Impossível,
para um estudante que cursou o primeiro e o segundo grau no Colégio Estadual
Governador Milton Campos na década de 1970, não se recordar da propaganda
política do regime militar que se instalara em nosso país em março de 1964.
Isto porque o Colégio Estadual, à época, era reduto de uma elite estudantil,
filhos da classe média belorizontina, muito influenciada por suas famílias. Tal
elite era convencida, no colégio, de que realmente este país estava indo para
frente e que a geração futura colheria os frutos do trabalho patriótico que o
governo estava plantando.
Ao mesmo tempo
era reduto de resistência por parte de professores que não concordavam com a
pouca democracia vigente e tentavam, através de suas aulas, veladamente, abrir
os olhos dos jovens ginasianos. Professores como João Etienne Arreguy que, em
suas aulas de História, fazia analogia entre a idade das trevas (Média) e a da
luz (Renascimento), trazendo à atualidade os conceitos de trevas e luzes.
Eram comuns as
cerimônias de hasteamento da bandeira nacional, os desfiles cívicos e as aulas
de “Educação Moral e Cívica”. Todos os hinos cívicos eram ensinados: o
Nacional, o da República, o da Bandeira, da Independência, da Inconfidência
Mineira e logicamente os jingles das campanhas
vigentes no momento.
Por ter vivido
tal experiência, como aluno do “Estadual Central” de 1971 a 1979, escolhi como
tema do presente trabalho a propaganda governamental, verdadeira “lavagem
cerebral” de uma geração inteira de alunos ávidos de conhecimentos novos.
Este trabalho tem por escopo abordar justamente
tais manifestações propagandísticas que visavam, ao invés de ocultar a verdade
dos “porões da ditadura” através da censura, mostrar ao povo brasileiro que
toda a sua potencialidade estava sendo explorada[2].
2 A CLASSE MÉDIA VAI ÀS RUAS
Às vésperas do
fatídico 31 de março de 1964
a classe média era vista como massa de manobra pelos
pensadores do golpe. Diversas associações visando lutar contra o espectro do
comunismo internacional surgiam em todas as partes do país e sob todos os
matizes, como, por exemplo, a Cruzada Brasileira Anticomunista, a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a Liga de Defesa
Nacional e também o Movimento por um Mundo Cristão. Oriundas de movimentos
militares, civis, católicos e tantos outros representantes da sociedade
brasileira, pululavam através da consciência de que o comunismo era um perigo
iminente e já presente no solo brasileiro, tendo como seu maior representante o
próprio Presidente da República que era João Goulart. Em algumas partes do país
surgiram os IPES dentro do sistema IBAD[3],
criados por empresários e militares sob inspiração da estação da CIA na cidade
do Rio de Janeiro[4]. Em Minas Gerais, com
sede no Edifício Acaiaca no centro de Belo Horizonte, o IPES local ganhou o
sugestivo nome de Novos Inconfidentes. Dele participavam militares,
empresários, profissionais liberais, políticos e vários outros representantes
da sociedade belorizontina. Criou vários núcleos destinados a propagar a
cantilena anticomunista, envolvendo mulheres e também a classe média mineira.
Prova disso, em 1962 recebeu um estudo intitulado “Conquista da Classe Média
para a ação política em grupo, de autoria de Arlindo Lopes Correia, ensinando
como arrebanhar tal classe através de apelos emocionais[5].
Tais trabalhos
e tal militância fizeram com que manifestações acontecessem por todo o
território nacional, onde o apoio da Igreja Católica legitimava e encorajava a
atuação de homens e mulheres da classe média. Em muitas localidades do Brasil
aconteceram manifestações similares à “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade” onde muitas mulheres de classe média empunharam seus rosários lutando
contra o comunismo[6].
Após o golpe de
31 de março de 1964, as autoridades sentiram a necessidade e importância de se
manter viva a chama de patriotismo e nacionalismo que fora impregnado no
sentimento de tais cidadãos. Nesse instante a propaganda, já muito utilizada na
época do Estado Novo, foi novamente ressuscitada e colocada em prática,
formando os corações e mentes da geração que iniciava seus estudos àquela
época.
3 PROPAGANDA
Don & Ravel
faziam muito sucesso na década de 1971 devido às canções ufanistas que tocavam
na televisão, principalmente nos programas de Silvio Santos que, ávido em herdar os canais da extinta TV TUPI , usava a dupla para agradar os
governantes militares. Todos os domingos apareciam nos programas da TVS (primeira sigla do Sistema
Brasileiro de Televisão SBT), sendo que Don muitas vezes foi jurado no “Show de
calouros”. Suas canções cantavam um Brasil onde mulatas brotam cheias de calor,
as praias são mais ensolaradas, o céu tem mais estrelas, o sol mais esplendor,
as noites mais beleza e encerrava convocando: “Ninguém segura a juventude do
Brasil!”[7]
Também muito famosa foi a música que compuseram para divulgar o MOBRAL
(Movimento Brasileiro de Alfabetização), “Você também é responsável” na qual
cantavam: “Eu tenho a minha mão domável! Me ensine a ler e a escrever!” Isto
depois de explicarem que vinham dos campos, subúrbios e vilas... “Obrigado ao
homem do campo”, também tocou muito nas rádios e programas de auditório.
Paralelamente a
Don e Ravel, outros músicos aproveitaram a onda patriótica e lançaram muitos
“hits” louvando o nosso país. Cantores como Wilson Simonal, Antônio Carlos e
Jocafi, Ivan Lins e outros menos cotados invadiam as tardes de sábado nos
programas de auditório, ou mesmo em dias da semana à noite, no “Programa Flávio
Cavalcanti” ou no global “Som Livre Exportação”.
Nos jingles executados em comerciais ou
mesmo programas de rádio e TV também prevaleciam a mensagem de um Brasil em
franco crescimento, isento de corrupção e fadado ao sucesso. De todos o que mais
era cantado pela meninada era a marchinha que dizia que “este é um país que vai
pra frente, de uma gente unida e tão contente. É um país que canta, trabalha e
se agiganta, é o Brasil do nosso amor!” Também havia o que cantava que “ o
Brasil merece o nosso amor” e o que alardeava que “ninguém segura o Brasil” e
ainda o que entoava que éramos “noventa milhões em ação”.
Programas de
televisão também serviam como divulgadores da imagem de um “Brasil Grande”. No
dia 15 de janeiro de 1967 foi criada a AERP[8]
que tinha como fulcro a regulamentação de toda a propaganda política do governo
militar. Tal agência promovia as inserções de propagandas nos programas que
aceitavam mais facilmente tais influências. Símbolo de tal casta de programas
foi “Amaral Neto: o repórter”, idealizado e apresentado na Rede Globo pelo
ex-deputado udenista, fundador e ex-presidente do Clube da Lanterna[9],
que prestava apoio a Carlos Lacerda na década de 1950, além de feroz combatente
das hostes anticomunistas. Em seu programa as grandes obras de engenharia como
a Ponte Rio – Niterói e a Transamazônica eram mostradas em detalhes, tecendo
loas à genialidade e competência do brasileiro. Mas o ponto alto de seus
programas era a idolatria às Forças Armadas brasileiras. A tenacidade do soldado
do exército, a tecnologia de nossa aeronáutica e o garbo de nossa marinha eram
sobejamente ressaltados. Aliás, cabe lembrar, que muitas obras mostradas no
programa, tinham à frente a participação dos batalhões de engenharia das três
armas. No auge da guerra do Vietnã, houve até um programa que relatou que os marines norte-americanos estiveram na
selva amazônica, aprendendo com nossos soldados sobre os combates na selva,
para fazer frente ao inimigo vietcongue.
As forças
armadas faziam parte do imaginário juvenil e não eram poucos os adolescentes
que sonhavam com uma carreira militar, iniciando-a na Academia Militar das
Agulhas Negras em Resende-RJ, Escola Preparatória de Cadetes do Ar em
Barbacena-MG ou ainda no Colégio Naval em Angra dos Reis-RJ. Uma carreira
rentável, saudável e de grande influência no mercado de trabalho, onde as
principais cadeiras de chefia das grandes empresas eram dominadas por coronéis,
generais, almirantes ou brigadeiros.
Também as
manifestações cívicas contribuíam para motivar o espírito cívico, como o fato
da volta dos restos mortais de Dom Pedro I ao Brasil no sesquicentenário da
independência em 1972, fato um tanto quanto lúgubre,[10] que provocou uma grande onda de emoção entre
a população brasileira, tendo os despojos do imperador desfilado em carro de
bombeiros por quase todas as capitais do país.
Marco extraordinário,
sesquicentenário da Independência! Potência de amor e paz, este Brasil faz
coisas que ninguém imagina que faz![11]
À mesma época
foram realizadas em
Belo Horizonte as “Olimpíadas do Exército” com várias
competições, mas também com uma agenda de muitos eventos, como shows diversos,
entre eles o do “Rei” Roberto Carlos no antigo Ginásio do Minas Tênis Clube. O
hino nacional foi cantado por Elis Regina que conseguiu vários desafetos no
meio artístico por ter participado de um evento patrocinado pela “ditadura”.
Olimpíadas do Exército, todos cantando a uma só voz, olimpíadas
do exército, exército de todos nós! Belo Horizonte recebe feliz, gente de todo
o país! Salve os artistas, salve os turistas, salve a torcida unida e gentil!
Irmãos, cada um de seu lado, mas todos ao lado, do meu Brasil![12]
4 CONCLUSÃO
O ufanismo
sempre esteve presente nas propagandas de governo brasileiro, sendo mais
explorado a partir da década de 1930 no Estado Novo. Até hoje ainda nos
deparamos com campanhas governamentais que visam mostrar o valor do povo
brasileiro. Seja individual ou coletivamente, “o melhor do Brasil é o
brasileiro”, por exemplo. Tal massificação de conceitos patrióticos não se
tratou de uma cultura política brasileira, mas, como se pode perceber, ao longo
de todo o século XX foi um fenômeno mundial. Hoje a figura do profissional de propaganda, do marketing, já foi assimilada pela nossa sociedade como profissão
necessária. Todas as empresas de médio porte para cima, como todas as
instituições públicas, dependem de seus departamentos de propaganda para
fixarem suas marcas nas mentes das pessoas.
Nos idos da
década de 1970 não foi diferente. O inimigo comunista era muito presente e a
melhor maneira de afugentá-lo das mentes dos brasileiros, tão adeptos de
novidades, era mostrar que com o regime militar tudo iria bem e não haveria
motivo para se querer mudanças.
A temática
usada pelos governos militares, principalmente na década de 1970 tentava
propiciar à população a sensação de acerto quando da opção militar em 1964.
Deve-se ressaltar que tal opção sempre foi muito presente durante o século XX e
o auxílio, ou apoio, dos militares como força política, sempre foi uma cultura
política muito arraigada, principalmente nas hostes elitistas, dos grandes
proprietários e detentores dos meios de capital e de produção, que à época do
golpe se juntavam sob a sigla partidária da UDN. Um país comprometido com o
crescimento econômico, com o desenvolvimento científico, capaz de criar
alternativas viáveis aos grandes problemas mundiais, como a substituição dos
combustíveis derivados de petróleo pelo álcool, faziam a população realmente
acreditar que o “bolo” estava crescendo e seria repartido na hora devida.
Paralelamente à
propaganda, a repressão também fazia seu trabalho de convencimento da
população. Uma guerra estava sendo travada contra o inimigo comunista. Se após
a Segunda Grande Guerra as sentinelas dos quartéis eram instruídas a permanecerem
alertas, pois algum nazista insatisfeito com o resultado da guerra poderia
atacar à traição o soldado desprevenido, toda a instrução básica fornecida nos
quartéis após o golpe de 1964, apresentava o comunista como o inimigo mais
imediato, dando-lhe uma posição de força muito maior do que a que realmente
possuía[13].
Treinamentos de dissolução de passeatas, enfrentamento de ataques com bombas de
gás e incendiárias, além de táticas anti-guerrilhas, eram muito vivenciadas nos
pátios do 12º Batalhão de Infantaria no final da década de 1970[14].
Tais ações criavam verdadeiras paranóias em muitas pessoas e foram muito
criticadas por vários artistas, com destaque especial para o cartunista mineiro
Henfil. Foi um crítico mordaz da situação política e social do período conhecido
como Ditadura Militar. Seus personagens[15]
retratavam o dia a dia da sociedade brasileira, demonstrando os medos e
contradições de um povo que pediu democracia e recebeu um regime autoritário.
Disto tudo,
reavivando a memória, lembro-me de uma época onde a classe média,
principalmente, achava que vivia bem e tinha seus anseios atendidos e seus
pleitos ouvidos pelo governo. Parecia que o golpe militar fora feito sob medida
para tais pessoas. Tal sensação era confirmada pelas notícias extremamente alvissareiras
trazidas pelos meios de comunicação que não cansavam em contribuir exibindo jingles e estatísticas favoráveis. As
pessoas que, eventualmente, eram contra o regime, eram vistas como transviadas
ou irresponsáveis e, se eventualmente alguma coisa lhes acontecia, como uma
perda de emprego ou prisão eventual era mais que merecido. Dispensável dizer
que a indústria da denúncia campeava, visando alcançar intentos pessoais, como
por exemplo, tornar vago um cargo almejado.
São lembranças
do tempo de Colégio Estadual onde cada ginasiano valia por mil, com “a
inteligência o braço pondo, sempre a serviço do Brasil!”[16]
Referências
DULLES, John W. F.. Carlos
Lacerda: a vida de um lutador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas
da ditadura. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo
Patto Sá (orgs.). O golpe e a ditadura
militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: EDUSC, 2004.
HENFIL. Fradim.
Rio de Janeiro: Editora Codecri Ltda; Petrópolis: Vozes, 1973.
JARDIM, Eduardo. Que país é este? In: CAVALCANTE, Berenice,
STARLING, Heloísa Maria Murgel, EISENBERG, José (Orgs.), Decantando a República, v2: inventário
histórico e político da canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
MORAES, Dislane Zerbainatti. “E foi proclamada a escravidão!”: Stanilaw Ponte Preta e a
representação satírica do golpe militar. Revista Brasileira de História., 2004,
vol. 24, no. 47, p. 61-102.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no
Brasil(1917-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os Senhores das Gerais – os novos inconfidentes e o golpe militar de
1964. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1986.
[1] Slogan criado no fim da década de 1960
pela Operação Bandeirantes (embrião do sistema
DOI-CODI).
[2]
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In:
REIS,Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta
anos depois (1964-2004). Bauru, SP:
EDUSC, 2004. p.266.
[3]
IPES: instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. IBAD: Instituto Brasileiro de
Ação Democrática.
[4]
STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os Senhores
das Gerais – os novos inconfidentes e o golpe militar de 1964.
Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1986. p. 44-46.
[5]
Idem, p. 195.
[6]
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra
o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil(1917-1964). São Paulo:
Perspectiva: FAPESP, 2002. p.266.
[7]
JARDIM, Eduardo. Que país é este? In: CAVALCANTE, Berenice, STARLING, Heloísa
Maria Murgel, EISENBERG, José (Orgs.), Decantando
a República, v2: inventário histórico e político da canção popular moderna
brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2004. pp.48-49.
[8]
Assessoria Especial de Relações Públicas.
[9]
DULLES, John W. F.. Carlos Lacerda: a
vida de um lutador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 163.
[10]
FICO, op. cit. p.273.
[11]
Hino comemorativo aos 150 anos da Independência, repetidamente tocado na semana
da Pátria de 1972 no rádio e televisão.
[12] Jingle das Olimpíadas do Exército
realizadas em 1972 em
Belo Horizonte.
[13]
MOTTA, op. cit. p.276.
[14]
Servi como fuzileiro em 1980.
[15]
HENFIL. Fradim. Rio de Janeiro:
Editora Codecri Ltda; Petrópolis: Vozes, 1973.
[16]
Hino da Escola Estadual Governador Milton Campos – Colégio Estadual Central.
Nenhum comentário:
Postar um comentário