quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Este é um país que vai prá frente!

Atualmente o assunto "período militar" está muito em voga. As notícias sobre a Comissão da Verdade, relação militares x sociedade civil, Mensalão e prisão de ex-líderes esquerdistas dentre outros estão trazendo à tona as recordações daquele período.
Posto aqui no meu blog uma monografia que fiz em 2005 para um curso de especialização em História.
Para os mais novos servirá de referência para discutir quando o assunto for abordado por saudosistas do período ou para aqueles que não têm saudade nenhuma.
Boa leitura!


Este é um país que vai prá frente!
A propaganda governista durante o regime militar






                                                 Brasil: Ame-o ou deixe-o![1]
1    INTRODUÇÃO
         Impossível, para um estudante que cursou o primeiro e o segundo grau no Colégio Estadual Governador Milton Campos na década de 1970, não se recordar da propaganda política do regime militar que se instalara em nosso país em março de 1964. Isto porque o Colégio Estadual, à época, era reduto de uma elite estudantil, filhos da classe média belorizontina, muito influenciada por suas famílias. Tal elite era convencida, no colégio, de que realmente este país estava indo para frente e que a geração futura colheria os frutos do trabalho patriótico que o governo estava plantando.
         Ao mesmo tempo era reduto de resistência por parte de professores que não concordavam com a pouca democracia vigente e tentavam, através de suas aulas, veladamente, abrir os olhos dos jovens ginasianos. Professores como João Etienne Arreguy que, em suas aulas de História, fazia analogia entre a idade das trevas (Média) e a da luz (Renascimento), trazendo à atualidade os conceitos de trevas e luzes.
         Eram comuns as cerimônias de hasteamento da bandeira nacional, os desfiles cívicos e as aulas de “Educação Moral e Cívica”. Todos os hinos cívicos eram ensinados: o Nacional, o da República, o da Bandeira, da Independência, da Inconfidência Mineira e logicamente os jingles das campanhas vigentes no momento.
         Por ter vivido tal experiência, como aluno do “Estadual Central” de 1971 a 1979, escolhi como tema do presente trabalho a propaganda governamental, verdadeira “lavagem cerebral” de uma geração inteira de alunos ávidos de conhecimentos novos.
         Este trabalho tem por escopo abordar justamente tais manifestações propagandísticas que visavam, ao invés de ocultar a verdade dos “porões da ditadura” através da censura, mostrar ao povo brasileiro que toda a sua potencialidade estava sendo explorada[2].
        
2    A CLASSE MÉDIA VAI ÀS RUAS
         Às vésperas do fatídico 31 de março de 1964 a classe média era vista como massa de manobra pelos pensadores do golpe. Diversas associações visando lutar contra o espectro do comunismo internacional surgiam em todas as partes do país e sob todos os matizes, como, por exemplo, a Cruzada Brasileira Anticomunista, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a Liga de Defesa Nacional e também o Movimento por um Mundo Cristão. Oriundas de movimentos militares, civis, católicos e tantos outros representantes da sociedade brasileira, pululavam através da consciência de que o comunismo era um perigo iminente e já presente no solo brasileiro, tendo como seu maior representante o próprio Presidente da República que era João Goulart. Em algumas partes do país surgiram os IPES dentro do sistema IBAD[3], criados por empresários e militares sob inspiração da estação da CIA na cidade do Rio de Janeiro[4]. Em Minas Gerais, com sede no Edifício Acaiaca no centro de Belo Horizonte, o IPES local ganhou o sugestivo nome de Novos Inconfidentes. Dele participavam militares, empresários, profissionais liberais, políticos e vários outros representantes da sociedade belorizontina. Criou vários núcleos destinados a propagar a cantilena anticomunista, envolvendo mulheres e também a classe média mineira. Prova disso, em 1962 recebeu um estudo intitulado “Conquista da Classe Média para a ação política em grupo, de autoria de Arlindo Lopes Correia, ensinando como arrebanhar tal classe através de apelos emocionais[5].
         Tais trabalhos e tal militância fizeram com que manifestações acontecessem por todo o território nacional, onde o apoio da Igreja Católica legitimava e encorajava a atuação de homens e mulheres da classe média. Em muitas localidades do Brasil aconteceram manifestações similares à “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” onde muitas mulheres de classe média empunharam seus rosários lutando contra o comunismo[6].
         Após o golpe de 31 de março de 1964, as autoridades sentiram a necessidade e importância de se manter viva a chama de patriotismo e nacionalismo que fora impregnado no sentimento de tais cidadãos. Nesse instante a propaganda, já muito utilizada na época do Estado Novo, foi novamente ressuscitada e colocada em prática, formando os corações e mentes da geração que iniciava seus estudos àquela época.

3    PROPAGANDA
         Don & Ravel faziam muito sucesso na década de 1971 devido às canções ufanistas que tocavam na televisão, principalmente nos programas de Silvio Santos que,  ávido em herdar os canais da extinta TV TUPI , usava a dupla para agradar os governantes militares. Todos os domingos apareciam nos programas da TVS (primeira sigla do Sistema Brasileiro de Televisão SBT), sendo que Don muitas vezes foi jurado no “Show de calouros”. Suas canções cantavam um Brasil onde mulatas brotam cheias de calor, as praias são mais ensolaradas, o céu tem mais estrelas, o sol mais esplendor, as noites mais beleza e encerrava convocando: “Ninguém segura a juventude do Brasil!”[7] Também muito famosa foi a música que compuseram para divulgar o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), “Você também é responsável” na qual cantavam: “Eu tenho a minha mão domável! Me ensine a ler e a escrever!” Isto depois de explicarem que vinham dos campos, subúrbios e vilas... “Obrigado ao homem do campo”, também tocou muito nas rádios e programas de auditório.
         Paralelamente a Don e Ravel, outros músicos aproveitaram a onda patriótica e lançaram muitos “hits” louvando o nosso país. Cantores como Wilson Simonal, Antônio Carlos e Jocafi, Ivan Lins e outros menos cotados invadiam as tardes de sábado nos programas de auditório, ou mesmo em dias da semana à noite, no “Programa Flávio Cavalcanti” ou no global “Som Livre Exportação”.
         Nos jingles executados em comerciais ou mesmo programas de rádio e TV também prevaleciam a mensagem de um Brasil em franco crescimento, isento de corrupção e fadado ao sucesso. De todos o que mais era cantado pela meninada era a marchinha que dizia que “este é um país que vai pra frente, de uma gente unida e tão contente. É um país que canta, trabalha e se agiganta, é o Brasil do nosso amor!” Também havia o que cantava que “ o Brasil merece o nosso amor” e o que alardeava que “ninguém segura o Brasil” e ainda o que entoava que éramos “noventa milhões em ação”.
         Programas de televisão também serviam como divulgadores da imagem de um “Brasil Grande”. No dia 15 de janeiro de 1967 foi criada a AERP[8] que tinha como fulcro a regulamentação de toda a propaganda política do governo militar. Tal agência promovia as inserções de propagandas nos programas que aceitavam mais facilmente tais influências. Símbolo de tal casta de programas foi “Amaral Neto: o repórter”, idealizado e apresentado na Rede Globo pelo ex-deputado udenista, fundador e ex-presidente do Clube da Lanterna[9], que prestava apoio a Carlos Lacerda na década de 1950, além de feroz combatente das hostes anticomunistas. Em seu programa as grandes obras de engenharia como a Ponte Rio – Niterói e a Transamazônica eram mostradas em detalhes, tecendo loas à genialidade e competência do brasileiro. Mas o ponto alto de seus programas era a idolatria às Forças Armadas brasileiras. A tenacidade do soldado do exército, a tecnologia de nossa aeronáutica e o garbo de nossa marinha eram sobejamente ressaltados. Aliás, cabe lembrar, que muitas obras mostradas no programa, tinham à frente a participação dos batalhões de engenharia das três armas. No auge da guerra do Vietnã, houve até um programa que relatou que os marines norte-americanos estiveram na selva amazônica, aprendendo com nossos soldados sobre os combates na selva, para fazer frente ao inimigo vietcongue.
         As forças armadas faziam parte do imaginário juvenil e não eram poucos os adolescentes que sonhavam com uma carreira militar, iniciando-a na Academia Militar das Agulhas Negras em Resende-RJ, Escola Preparatória de Cadetes do Ar em Barbacena-MG ou ainda no Colégio Naval em Angra dos Reis-RJ. Uma carreira rentável, saudável e de grande influência no mercado de trabalho, onde as principais cadeiras de chefia das grandes empresas eram dominadas por coronéis, generais, almirantes ou brigadeiros.
         Também as manifestações cívicas contribuíam para motivar o espírito cívico, como o fato da volta dos restos mortais de Dom Pedro I ao Brasil no sesquicentenário da independência em 1972, fato um tanto quanto lúgubre,[10]  que provocou uma grande onda de emoção entre a população brasileira, tendo os despojos do imperador desfilado em carro de bombeiros por quase todas as capitais do país.
 Marco extraordinário, sesquicentenário da Independência! Potência de amor e paz, este Brasil faz coisas que ninguém imagina que faz![11]
         À mesma época foram realizadas em Belo Horizonte as “Olimpíadas do Exército” com várias competições, mas também com uma agenda de muitos eventos, como shows diversos, entre eles o do “Rei” Roberto Carlos no antigo Ginásio do Minas Tênis Clube. O hino nacional foi cantado por Elis Regina que conseguiu vários desafetos no meio artístico por ter participado de um evento patrocinado pela “ditadura”.
Olimpíadas do Exército, todos cantando a uma só voz, olimpíadas do exército, exército de todos nós! Belo Horizonte recebe feliz, gente de todo o país! Salve os artistas, salve os turistas, salve a torcida unida e gentil! Irmãos, cada um de seu lado, mas todos ao lado, do meu Brasil![12]
4 CONCLUSÃO
         O ufanismo sempre esteve presente nas propagandas de governo brasileiro, sendo mais explorado a partir da década de 1930 no Estado Novo. Até hoje ainda nos deparamos com campanhas governamentais que visam mostrar o valor do povo brasileiro. Seja individual ou coletivamente, “o melhor do Brasil é o brasileiro”, por exemplo. Tal massificação de conceitos patrióticos não se tratou de uma cultura política brasileira, mas, como se pode perceber, ao longo de todo o século XX foi um fenômeno mundial. Hoje a figura do profissional  de propaganda, do marketing, já foi assimilada pela nossa sociedade como profissão necessária. Todas as empresas de médio porte para cima, como todas as instituições públicas, dependem de seus departamentos de propaganda para fixarem suas marcas nas mentes das pessoas.
         Nos idos da década de 1970 não foi diferente. O inimigo comunista era muito presente e a melhor maneira de afugentá-lo das mentes dos brasileiros, tão adeptos de novidades, era mostrar que com o regime militar tudo iria bem e não haveria motivo para se querer mudanças.
         A temática usada pelos governos militares, principalmente na década de 1970 tentava propiciar à população a sensação de acerto quando da opção militar em 1964. Deve-se ressaltar que tal opção sempre foi muito presente durante o século XX e o auxílio, ou apoio, dos militares como força política, sempre foi uma cultura política muito arraigada, principalmente nas hostes elitistas, dos grandes proprietários e detentores dos meios de capital e de produção, que à época do golpe se juntavam sob a sigla partidária da UDN. Um país comprometido com o crescimento econômico, com o desenvolvimento científico, capaz de criar alternativas viáveis aos grandes problemas mundiais, como a substituição dos combustíveis derivados de petróleo pelo álcool, faziam a população realmente acreditar que o “bolo” estava crescendo e seria repartido na hora devida.
         Paralelamente à propaganda, a repressão também fazia seu trabalho de convencimento da população. Uma guerra estava sendo travada contra o inimigo comunista. Se após a Segunda Grande Guerra as sentinelas dos quartéis eram instruídas a permanecerem alertas, pois algum nazista insatisfeito com o resultado da guerra poderia atacar à traição o soldado desprevenido, toda a instrução básica fornecida nos quartéis após o golpe de 1964, apresentava o comunista como o inimigo mais imediato, dando-lhe uma posição de força muito maior do que a que realmente possuía[13]. Treinamentos de dissolução de passeatas, enfrentamento de ataques com bombas de gás e incendiárias, além de táticas anti-guerrilhas, eram muito vivenciadas nos pátios do 12º Batalhão de Infantaria no final da década de 1970[14]. Tais ações criavam verdadeiras paranóias em muitas pessoas e foram muito criticadas por vários artistas, com destaque especial para o cartunista mineiro Henfil. Foi um crítico mordaz da situação política e social do período conhecido como Ditadura Militar. Seus personagens[15] retratavam o dia a dia da sociedade brasileira, demonstrando os medos e contradições de um povo que pediu democracia e recebeu um regime autoritário.
         Disto tudo, reavivando a memória, lembro-me de uma época onde a classe média, principalmente, achava que vivia bem e tinha seus anseios atendidos e seus pleitos ouvidos pelo governo. Parecia que o golpe militar fora feito sob medida para tais pessoas. Tal sensação era confirmada pelas notícias extremamente alvissareiras trazidas pelos meios de comunicação que não cansavam em contribuir exibindo jingles e estatísticas favoráveis. As pessoas que, eventualmente, eram contra o regime, eram vistas como transviadas ou irresponsáveis e, se eventualmente alguma coisa lhes acontecia, como uma perda de emprego ou prisão eventual era mais que merecido. Dispensável dizer que a indústria da denúncia campeava, visando alcançar intentos pessoais, como por exemplo, tornar vago um cargo almejado.
         São lembranças do tempo de Colégio Estadual onde cada ginasiano valia por mil, com “a inteligência o braço pondo, sempre a serviço do Brasil!”[16]
Referências

DULLES, John W. F.. Carlos Lacerda: a vida de um lutador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: EDUSC, 2004.
HENFIL. Fradim. Rio de Janeiro: Editora Codecri Ltda; Petrópolis: Vozes, 1973.
JARDIM, Eduardo. Que país é este? In: CAVALCANTE, Berenice, STARLING, Heloísa Maria Murgel, EISENBERG, José (Orgs.), Decantando a República, v2: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
MORAES, Dislane Zerbainatti. “E foi proclamada a escravidão!”: Stanilaw Ponte Preta e a representação satírica do golpe militar. Revista Brasileira de História., 2004, vol. 24, no. 47, p. 61-102.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil(1917-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os Senhores das Gerais – os novos inconfidentes e o golpe militar de 1964. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1986.


[1] Slogan criado no fim da década de 1960 pela Operação Bandeirantes (embrião do sistema  DOI-CODI).
[2] FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In: REIS,Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: EDUSC, 2004. p.266.
[3] IPES: instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. IBAD: Instituto Brasileiro de Ação Democrática.
[4] STARLING, Heloísa Maria Murgel. Os Senhores das Gerais – os novos inconfidentes e o golpe militar de 1964. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1986. p. 44-46.
[5] Idem, p. 195.
[6] MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil(1917-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002. p.266.
[7] JARDIM, Eduardo. Que país é este? In: CAVALCANTE, Berenice, STARLING, Heloísa Maria Murgel, EISENBERG, José (Orgs.), Decantando a República, v2: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. pp.48-49.
[8] Assessoria Especial de Relações Públicas.
[9] DULLES, John W. F.. Carlos Lacerda: a vida de um lutador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 163.
[10] FICO, op. cit. p.273.
[11] Hino comemorativo aos 150 anos da Independência, repetidamente tocado na semana da Pátria de 1972 no rádio e televisão.
[12] Jingle das Olimpíadas do Exército realizadas em 1972 em Belo Horizonte.
[13] MOTTA, op. cit. p.276.
[14] Servi como fuzileiro em 1980.
[15] HENFIL. Fradim. Rio de Janeiro: Editora Codecri Ltda; Petrópolis: Vozes, 1973.
[16] Hino da Escola Estadual Governador Milton Campos – Colégio Estadual Central.

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