Em 1981 assumi o emprego de auxiliar de
escritório na Caixa Econômica Federal. À época, passar no concurso da Caixa era
algo do outro mundo. Dizia-se que nunca mais teria problemas de emprego ou
financeiro o felizardo que entrasse em tal banco. Aliás, não éramos bancários
(hoje somos), éramos economiários federais.
Minha
primeira providência ao assumir meu posto, no prédio da rua Tupinambás, foi
correr na Motocity, revenda Honda, e comprar uma moto de trail. Eu tinha alguns
amigos que gostavam de percorrer os arredores de Belo Horizonte nos finais de
semana, passando por trilhas e depois de um dia inteiro de poeira, paravam em
bares e tomavam uma deliciosa cerveja gelada!
De posse da
nova aquisição, reuni a turma de amigos e fundamos uma equipe de trail que se
chamava Trail de Ferro. Participávamos de vários enduros, cada qual com o nome
mais estranho e sinistro: “Enduro Batman e as mil noites de Bárbara”, “Enduro
Cucuruto do Camelo Voador”, “Enduro Sete Horizontes” e outros tantos. Aliás,
participei do primeiro Enduro da Independência, onde penei na subida do oleoduto
em Barbacena.
Nos sábados saíamos para as trilhas pesadas e nos
domingos eu sempre convidava uma gatinha para passear nas trilhas mais leves na
minha garupa. Já naquele tempo havia muitas periguetes. Após as trilhas de sábado
íamos para a Praça da Liberdade, que era o point, e as meninas adoravam ver-nos
com as roupas coloridas, os coletes de jogador de futebol americano, as botas
importadas da Itália, além da sujeira, que variava da poeira extrema à lama
impiedosa. Era fácil conseguir uma gatinha para a garupa de domingo.
Nossa preferência era pelas trilhas mais para o
lado de Nova Lima e Macacos. Tais trilhas propiciavam todos os tipos de emoções,
com poeira, cascalho, lama, rios para atravessar, florestas, cavas e outras
emoções. Os nomes das trilhas eram escolhidos de acordo com a época em que eram
descobertas. Na época da Guerra das Malvinas, surgiu a trilha das Malvinas,
dificílima, com uma subida muito íngreme no meio de uma mata e com uma raiz
enorme de uma árvore, bem no meio de uma curva. Havia a trilha da Perdida, da
Sumida e da Desaparecida, que formavam o conjunto conhecido como “Perdida” e
que propiciava todo os tipos de emoções, finalizando junto ao cemitério de
Macacos, após a travessia de um rio e uma subida cascalheira. Tínhamos a trilha
Lucélia Santos, porque foi descoberta quando a atriz estrelou o filme “Bonitinha
mas ordinária”. Tinha Jardins de Petrópolis, He-man, Noviça, Caminho dos
Escravos, Trilha do sol, Trilha da Lua, e a Speedway entre tantas outras.
Depois de uma manhã de muito sufoco, parávamos em
Macacos em um bar de secos e molhados, de uma senhora conhecida como Dona Dica.
Como frequentávamos muito tal bar, ela já deixava vários pedaços de frango
fritos e a cerveja gelando. Tempos depois, Dona Dica construiu um restaurante
em cima do antigo bar e virou celebridade no Guia Quatro Rodas. No quintal de
Dona Dica havia vários pés de jabuticaba e o final de ano era uma festa só!
Bons tempos!
Certo dia, reunimos a equipe e após um bom repasto
na Dona dica, resolvemos atravessar a BR 040 e ir até o Morro do Elefante, que
fica em frente à antiga fábrica de cerveja Ouro Branco (que pertencia a Felício
Brandi), e depois virou fábrica da Skol. Subimos e descemos bastante e alguém
se lembrou que havia um novo loteamento ali perto, que se chamava Jardim Canadá,
onde haveria uma pista de moto-cross.
Para lá nos dirigimos e depois de rodar por inúmeras
quadras e quarteirões desabitados, vimos alguns carros parados com uma galera
por lá.
Fomos ao
encontro do pessoal e vimos que havia uma pista de pouso para aeromodelismo, o
que era uma novidade para todos nós que adorávamos novidades. O que mais me
chamou atenção foi um rapaz, mais ou menos da minha idade, que tinha um avião
controlado por controle remoto. A maioria dos aviões era controlada por um fio
ligado na asa e em uma alça que ficava na mão do piloto, fazendo com que a
aeronave voasse em círculos.
O tal rapaz era paulista e me contou que vivia na Europa,
onde participava de corridas de automóveis. Tinha comprado aquela aeronave de
controle remoto em Londres e estava em Belo Horizonte
visitando um amigo que também era apaixonado por aeromodelismo e corridas de
automóvel. O amigo pertencia a um grupo que havia preparado aquela pista de
pouso para a prática do esporte tão caro e elitizado.
O tal rapaz ficou muito interessado na minha moto,
pois disse que não sabia da existência de praticantes de Trail no Brasil. Disse
que na Europa era muito comum, principalmente nas regiões de montanhas. Fez várias
perguntas e engatamos uma bela prosa. Me contou que era piloto de kart e que,
depois de vários estágios, havia chegado a uma categoria na Inglaterra que era
como um vestibular para a Fórmula 1.
Eu era fã da Fórmula 1 e ia todos os anos a
Jacarepaguá assistir o Grande Prêmio Brasil e torcer para Nelson Piquet, meu ídolo.
Disse ao meu novo amigo que um dia iria assisti-lo no Rio de Janeiro e torcer
por ele. Naquele momento, meu amigo me revelou que estava negociando com uma
pequena equipe de Fórmula 1 chamada Toleman, e que, talvez no próximo ano eu já
poderia torcer por ele.
Após muito bate-papo eu e meus amigos resolvemos
descer para Belo Horizonte e tomar um chopp e comer uma pizza na Fox Pizzaria
na Prudente de Morais. Lá chegando, contei aos amigos a conversa que tive com o
paulista e rimos muito, pois o papo dele era extremamente exagerado. Imagina só,
piloto de Fórmula 1 em
Jardim Canadá! Que exagero! Pilotos de Fórmula 1, àquela
hora, deveriam estar em Mônaco, Saint Tropez e Cinque Terre! Como poderia um
piloto estar brincando de avião em um terreno poeirento como aquele! Rimos
demais!
Do que mais rimos foi quando contei que eu havia
pedido para pilotar o avião dele com o controle remoto e ele negou, dizendo que
era necessário muito tempo de prática para pilotar tal equipamento. Logo em
seguida ele me perguntou se poderia dar uma volta em minha moto de trail para
experimentar, no que respondi prontamente que não, pois era necessário muito
tempo de prática para pilotar tal equipamento. Até hoje rio demais quando me
lembro.
No ano seguinte, ao assistir um programa de televisão
sobre a temporada da Fórmula 1, me assustei quando vi meu amigo paulista no vídeo,
sendo anunciado como um novo brasileiro na Fórmula 1 pilotando uma Toleman. Aí
então descobri o nome dele: Ayrton.
Passou a ser meu ídolo e passei a vê-lo sempre na
TV. Nunca mais nos encontramos depois daquele dia. Mas foi um dia que ficou
marcado em minha memória como um dia muito feliz!
Que história legal! Parabéns Anisio!
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