“...
o quadro é muito pior do que a gente supunha do ponto de vista da capacidade de os clubes honrarem isso aí” – essa declaração foi feita pelo deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ) depois de assistir às apresentações feitas pelo Amir Somoggi, consultor em marketing e gestão esportiva, e Fernando Ferreira, diretor da Pluri Consultoria, dois profissionais com trabalhos bem conhecidos dos leitores desse OCE, durante a audiência pública convocada pela comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a criação do Programa de Fortalecimento dos Esportes Olímpicos, o Proforte (PL
6753/13), anteontem, dia 12. O deputado Leite é o relator desse projeto, de criação do deputado Vicente Candido (PT-SP).
Amir Somoggi e Fernando Ferreira trabalharam com dados financeiros do ano de 2012 (os dados de público e ocupação mostrados pelo Fernando são de 2013 e foram vistos no post anterior), o que significa que a situação que o deputado conheceu é, com certeza, ainda pior do que a que foi mostrada.
Em sua apresentação, Amir destacou os seguintes pontos:
- a receita total dos 100 maiores clubes brasileiros foi de R$ 3,5 bilhões entre 2003 e 2012, com o endividamento atingindo o total de R$ 5,5 bilhões no mesmo período;
- até o acordo da Timemania, as dívidas fiscais cresciam acima das demais; posteriormente, em especial a partir de 2009, o maior crescimento foi das dívidas bancárias, ao lado de outras geradas por gastos acima da capacidade de pagamento; entram nesse quesito os altos valores pagos a jogadores vindos da Europa, a maioria, quase totalidade, pouco retorno dá a seus contratantes, bem como os salários de treinadores;
- as despesas financeiras (principalmente pagamentos de juros sobre empréstimos bancários) chegaram a R$ 300 milhões por ano.
Na opinião de Somoggi, se os clubes continuarem pegando empréstimos para financiar suas atividades e sobreviverem, continuarão pagando enormes quantias em juros. Vale recordar que os famosos adiantamentos de direitos de transmissão, sejam eles “via Globo”, sejam “federações/confederação”, são operações bancárias e sobre elas incidem os juros cobrados pelo mercado.
Outro ponto importante: já em setembro de 2011, post desse OCE com base em estudo elaborado por profissionais do banco Itaú BBA (
aqui) apontou que os clubes brasileiros tinham péssima bancabilidade, na visão do mercado financeiro. Isso, em termos práticos, significava que os bancos de primeira linha não emprestavam dinheiro aos clubes, nem tanto pela falta de garantias e muito mais pelas péssimas gestões e balanços ainda piores. Como resultado, os clubes há anos tomam dinheiro caro em bancos de segunda linha, dispostos a maiores riscos em troca de maiores remunerações, até mesmo com a mistura de direitos de jogadores e patrocínios de camisa, num verdadeiro balaio de gatos onde o maior arranhado é justamente quem está fora do balaio: o torcedor.
Fernando Ferreira destacou em sua apresentação que a última vez que o campeonato inglês de futebol teve uma média de público semelhante à do brasileiro, foi há mais de um século, 1904. Isso, segundo ele, dá uma boa ideia das muitas distâncias que separam nosso futebol daquele que é praticado por países europeus, principalmente Inglaterra e Alemanha.
Ferreira também destacou uma lista com os dez maiores problemas de nosso futebol, segundo pesquisa realizada por sua empresa junto a 300 profissionais e especialistas em futebol, que reproduzo abaixo (essa pesquisa, assim como outros trabalhos da Pluri e do Amir Somoggi estão publicados no OCE):
Os dois especialistas mostraram aos deputados que há necessidade urgente de mudar as gestões do futebol. Não basta mudar nomes, é necessário mudar métodos, filosofias, práticas ou de nada adiantará um Proforte em 2014. Porque será necessário outro em 2018 ou 2019 e assim por diante.
Nada disso é novidade para quem vem acompanhando o que ocorre em nosso futebol nos últimos anos. Nossa realidade poderia ser – e merece ser – bem diferente. Aliás, esse ponto também foi levantado pelo Fernando Ferreira, ao dizer que temos uma das maiores economias (bem ou mal, é grande, sim, embora pobre) do mundo e à nossa frente há apenas três delas com tradição no futebol – Alemanha, França e Inglaterra (e com essa última o valor do PIB segue mais ou menos parelho). Já na “economia do futebol” estamos muito, muito distantes dessas três, a começar, como já falado, na presença do torcedor nos estádios.
Ao fim da audiência, o deputado Otávio Leite, na qualidade de relator do projeto, disse ter a intenção de fazer do atual projeto algo como uma “lei de responsabilidade fiscal” no futebol, com a necessidade dos clubes beneficiados apresentarem contrapartidas. Aguardemos.
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