terça-feira, 11 de março de 2014

Matéria: mercado obscuro da bola.

Hoje posto neste espaço a matéria publicada pela Revista Vox Objetiva de autoria do Jornalista Vinícius Grissi que trata de assunto sobre o qual gosto muito: Finanças e transparência no futebol e clubes em geral.
Tive o prazer e satisfação de ser entrevistado para tal matéria e o resultado ficou muito bom.
Neste terceiro ano de mandato do Presidente Gilvan de Pinho Tavares ocupo a Presidência do Conselho Fiscal do Cruzeiro e a temática mais abordada pelo Conselho será justamente Transparência e Governança.
Somente é importante ressaltar na matéria de Vinícius que, como ele afirmou, a maioria do clubes não se preocupa com transparência e muitas partes dos balanços não são publicadas, como por exemplo, o relatório dos conselhos fiscais. Não é o caso do Cruzeiro: publicamos os balanços completos e, atualmente, estamos com os últimos cinco exercícios, completos, à disposição do público em geral em nosso site (inclusive com os relatórios do Conselho Fiscal).
Boa leitura e parabéns ao conazionale Grissi pelo interesse em abordar assunto tão interessante e importante. O link da matéria está copiado abaixo.
Boa leitura!


http://www.voxobjetiva.com.br/noticia/647/o-mercado-obscuro-da-bola



CAPA

O mercado obscuro da bola

por Vinicius Grissi
Dívidas crescentes e transações mal-explicadas revelam a falta de transparência do futebol dentro e fora do Brasil (Foto: Divulgação Barcelona)
Uma denúncia: isso foi o suficiente para o sócio do Barcelona, Jordi Cases, ocupar a primeira página dos diários esportivos mundiais em dezembro passado. E não foi qualquer acusação. O membro da oposição do time catalão acusou a diretoria do Barcelona de apropriação indébita. Os valores foram os da transação envolvendo o atacante brasileiro Neymar. O caso explodiu após o jornal espanhol ‘El Mundo’ publicar que ocorreu uma divergência no valor da transação feita com Neymar da Silva Santos - pai de Neymar e empresário do jogador. A edição do dia 20 de janeiro dá conta que a transferência do camisa 10 canarinho custou 95 milhões de euros para os cofres do clube. Mas o valor publicado foi de 57 milhões de euros, conforme foi declarado pelo presidente do clube catalão, Sandro Rosell. Resultado: no dia 23 de janeiro, o mandatário do time deixava o cargo.
A crise instaurada após a saída de Rosell levou o empresário Neymar Santos a conceder uma longa entrevista coletiva. O pai do jogador explicou que a transferência custou, na verdade, 86,2 milhões de euros aos Brasilespanhóis. Os valores só puderam ser revelados após as partes aceitarem quebrar uma ‘cláusula de confidencialidade’ que existia no contrato. A N&N, empresa dos pais de Neymar, foi a principal beneficiada pelo negócio, levando 40 milhões de euros. O documento ainda vai ser investigado pela justiça espanhola.
Mas negócios obscuros no mundo do futebol não são exclusividade de transações internacionais nem só de clubes estrangeiros. Dos 34 clubes de maior receita do futebol brasileiro, apenas o Corinthians foi classificado como ‘bom’ no quesito nível de transparência. A informação foi revelada por uma pesquisa divulgada em novembro passado pela Pluri Consultoria. O ranking da empresa especializada em gestão e marketing esportivo coloca Atlético e Cruzeiro apenas na 24ª e 20ª posições, respectivamente. Ambos foram classificados em nível ‘básico’. É que os times mineiros não têm área específica no site para divulgar as contas. O visitante do site encontra dificuldades para localizar o balanço financeiro, e os clubes não publicam o parecer do conselho fiscal.
“Em geral, os clubes não dão muita importância para esse assunto. Nos últimos dois anos, o nível de transparência melhorou, mas ainda é básico. O que os times normalmente fazem é divulgar o balanço, alguns com maior preocupação que outros. Existem clubes montando portais de transparência, mas essa relação ainda precisa avançar muito”, analisa o economista Fernando Ferreira, diretor da Pluri Consultoria.
O Presidente do Conselho Fiscal do Cruzeiro, Anísio Ciscotto, considera o ranking de transparência interessante, mas discorda de certos critérios. “A lei exige que os clubes aprovem suas contas e as publiquem até o final de abril. Nós fazemos isso. Mas há exigências que nem todas as empresas conseguem cumprir. Nós, por exemplo, esbarramos em questões tecnológicas. Tentamos colocar o estatuto do clube no site, mas, por uma questão de servidor, não foi possível”, revela.
A crescente participação de grupos de investidores nas negociações é outro fator que dificulta a divulgação de informações relativas às finanças. Normalmente esses parceiros são utilizados como ‘escudos’ para que os clubes não revelem os valores envolvidos nas principais transações. “É a parte mais nebulosa do futebol. Trata-se de um problema mundial. E a Fifa pouco tem trabalhado para combatê--lo. Mesmo que a maioria das negociações ocorra de forma lícita, não há justificativa para que as informações não sejam publicadas”, ratifica.
O comportamento das diretorias só reforça essa tendência. Nenhuma das três contratações em que houve investimento celeste na temporada – Marlone, Rodrigo Souza e Miguel Samudio – teve os valores divulgados pelo clube. No entanto, Ciscotto vê com naturalidade a confidencialidade contida nos contratos. “O clube está sujeito às penas da lei como qualquer empresa. E esse tipo de cláusula não é exclusividade do futebol. Geralmente isso é divulgado no balanço do clube. Se você buscar nas notas explicativas, vai acabar descobrindo facilmente onde a empresa colocou e tirou dinheiro”, justifica.
Para Ciscotto, a tendência é que os clubes sejam obrigados a divulgar os valores das transferências, a exemplo do que acontece no futebol português. “Em breve, os times vão virar clube-empresa, e o departamento de futebol vai funcionar como uma sociedade anônima. A própria comissão de valores mobiliários vai passar a verificar isso”, acredita o dirigente. Esse controle faria com que as dívidas dos clubes brasileiros não se multiplicassem ano após ano. Desde 2007, os 23 times com a maior receita do país somam R$ 1,8 bilhão em prejuízos, como aponta outro estudo da Pluri Consultoria.
As perdas aconteceram mesmo com o substancial aumento na arrecadação nas últimas temporadas. “Em geral, a folha dos elencos está inflada. Está entre 30% e 40% acima da capacidade dos clubes. A renegociação dos contratos de TV elevou a receita dessas equipes, mas os clubes não foram prudentes. Se tivessem sido, teriam controlado os gastos para amortizar o endividamento. Assim bastaria algum tempo para ficarem em situação mais confortável. No entanto, os clubes simplesmente elevaram brutalmente suas despesas”, observa Ferreira.
O governo federal tem a intenção de reduzir essas dívidas em 2014, principalmente com o fisco. O Banco Central vai cobrar judicialmente quase R$ 40 bilhões de multas devidas por empresas, pessoas físicas e clubes de futebol, como traz a primeira edição de fevereiro do jornal O Estado de São Paulo. E o futebol deve R$ 110 milhões desse valor. Somando todas as dívidas dos clubes com o Estado, os valores se aproximam de R$ 4 bilhões. Isso inclui débitos com Cofins, Imposto de Renda, INSS e PIS.
As primeiras audiências para a criação do Proforte, projeto de lei para refinanciamento das dívidas públicas dos clubes, já aconteceram na Câmara dos Deputados. Agora há uma discussão para que os clubes que atrasarem os pagamentos sejam punidos na esfera esportiva. As equipes podem perder pontos ou até mesmo ser rebaixadas. A punição faria evitar que o projeto naufrague como a Timemania. Essa loteria criada em 2007 é considerada um fracasso. Vinte dos 55 clubes que aderiram ao sistema já foram excluídos por atrasos e inadimplência. É o caso do Atlético. A dívida do Galo com a loteria foi estimada em R$ 147 milhões.
Desde agosto de 2013, o atual campeão da Copa Libertadores sofre com o bloqueio parcial do dinheiro relativo à venda de Bernard. Um dos destaques do time na conquista continental, o meia foi negociado no fim de julho com o Shahktar Donetsk, da Ucrânia, por 25 milhões de euros. Desse valor, cerca de R$ 40 milhões foram retidos pelo Banco Central por conta de três processos de execução fiscal movidos pela Fazenda Nacional contra o clube. E o Atlético está envolvido em 36 pendências, além dessas ações. Na reta final da última temporada, a equipe chegou a ficar dois meses em débito com seus jogadores. Isso ocorreu pouco antes da disputa do Mundial de Clubes em que o time acabou na terceira posição.
Mesmo com as constantes cobranças do presidente Alexandre Kalil, o caso parece longe de uma solução. No dia 12 de fevereiro, um novo bloqueio, agora referente a uma dívida contraída em 1999, revoltou o dirigente do Atlético. “Acho que só o Atlético deve impostos no Brasil. Qual o nosso pecado com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)?”, questionou Kalil em sua conta no twitter. Para o diretor jurídico do Atlético, Lásaro da Cunha, o clube está sendo vítima de perseguição. “Por que Vasco, Botafogo e Flamengo conseguiram o parcelamento? Por que não podemos continuar pagando a dívida em condições razoáveis?”, pergunta antes de revelar a necessidade do clube. “A dívida precisa ser parcelada para que o Atlético funcione. É como uma bicicleta. Se você para, ela cai”.
Com tantas dificuldades, os principais clubes brasileiros começaram 2014 com o pé no freio. Campeão brasileiro, o Cruzeiro manteve os principais jogadores, mas pouco contratou. Situação semelhante vive o Atlético, que encontra dificuldades para reforçar o time rumo ao bicampeonato da Libertadores. “Por diversos motivos, a corda esticou num nível que se tornou quase obrigatório fazer um ajuste. Além disso, desde o ano passado, o movimento Bom Senso Futebol Clube começou a escancarar para a mídia convencional e para o torcedor os atrasos salariais de alguns clubes e suas consequências futuras. Em alguns times, o nível de endividamento chegou a tal ponto que não é mais possível contratar”, lamenta Ferreira.

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