sexta-feira, 2 de março de 2012

A primeira vez que vi o Cruzeiro jogar!

Em 1921 o Presidente do Estado de Minas Gerais era um mineiro nascido em Viçosa. Seu nome era Arthur Bernardes. Foi o responsável pela instalação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária em sua cidade natal, que depois tornou-se a Universidade Federal de Viçosa. Em suas viagens da capital federal para a sua Viçosa, durante seu mandato de Deputado Federal (1915-1917), usava os trens da Leopoldina que passavam pelo distrito de Rochedo de Minas (São João Nepomuceno), atravessando a Fazenda do Rochedo. Tal fazenda era uma das maiores produtoras de café de Minas Gerais e do Brasil e era exemplo de produtividade e dinamismo na economia cafeeira, entusiasmando muito o futuro Presidente da República. O deputado Arthur Bernardes conhecia o proprietário da Fazenda, que se chamava Coronel Antenor Marques, e procurou saber quem era o administrador que tão bem cuidava daquela joia produtiva. Era o italiano Antonio Cescotto o responsável.
O deputado virou Presidente do Estado e convidou o italiano para que viesse a Belo Horizonte para participar das negociações sobre a fundação de uma escola agrícola na cidade natal do mandatário estadual. Era o mês de dezembro de 1920.
Nos dias que aqui passou, encontrou amigos diversos e se enturmou com os membros da comunidade italiana da capital. Foi convidado para uma reunião que cuidaria da fundação de um Clube que reuniria os italianos. Em 02 de janeiro de 1921, Antonio Cescotto, na sede da Società di Mutuo Socorso de Minas Gerais viu nascer o nosso Palestra Italia.

Em 1967 eu e minha família mudamos de Governador Valadares para Belo Horizonte. Fomos morar no bairro Santo Antônio e fui matriculado no pré-primário no Instituto Padre Machado. Criança muito curiosa, notei que as "peladas" no pátio do colégio dividiam a meninada em três grupos que montavam seus times: atleticanos, americanos e cruzeirenses. A esmagadora maioria era atleticana, fazendo com que o time deles tivesse sempre mais gente para jogar. Às vezes os cruzeirenses tinham que se juntar com os americanos para formarem um time completo. O assunto era sempre o futebol e, a conquista da Taça Brasil pelo Cruzeiro em dezembro do ano anterior, fazia com que os ânimos se aflorassem. Eu tive que escolher um time para jogar nossas "peladas" e assim, escolhi o time azul. Menino sempre escolhe o time campeão.
Meu pai já morava há algum tempo em Belo Horizonte e já frequentava o Mineirão. Eu e meu irmão mais velho insistíamos muito com ele para que nos levasse para conhecer o estádio, que era conhecido como o "segundo maior estádio de futebol coberto do mundo"!
Em 05 de março de 1967, um domingo, meu pai anunciou que iríamos conhecer o estádio e que o jogo seria um derby da cidade: Cruzeiro x Atlético. Imagina a emoção que tomou conta de mim! Assistir um clássico! É bom lembrar que àquela época os jogos no Mineirão eram um belo programa dominical familiar, com os pais levando seus filhos para o estádio. Meu pai reuniu os filhos e juntamente com minha mãe, pegou nosso Aero Willys e seguimos pela avenida Antônio Carlos (naquele tempo não tinha Catalão) até chegarmos ao Mineirão.
Indescritível a sensação de grandiosidade que o estádio me causou, ainda mais por ser criança e bem baixinho. Parecia que estava para entrar em uma nave espacial! Ao entrar no estádio nos dirigimos para o setor das cadeiras cativas ficando postados mais próximos da grade que nos separava da arquibancada onde ficava a torcida dos italianos. Naquele dia fiquei conhecendo a História do time que havia nascido Palestra (sob os olhares de meu avô) e tinha se tornado Cruzeiro por causa da guerra para a qual meu pai havia sido convocado. Percebi que a simpatia que sentira pelo Cruzeiro quando o escolhi nas brincadeiras do Padre Machado não havia sido à toa.
A torcida atleticana dominava mais da metade do Mineirão e era muito animada. Os gritos de galo ecoavam pelo estádio que recebeu naquele dia, quase cem mil pessoas! A nossa torcida, em menor número, fazia um barulho ensurdecedor comandada pela bateria do grande cruzeirense Aldair Pinto. Havia um batuque característico que sempre terminava com um assovio e me impressionou muito. Acho que aprendi a assoviar naquele dia!
Começou o jogo e os cânticos aumentaram de volume. Buião desceu perigosamente pela direita, cruzou sob medida para Laci, que dominou e chutou certeiro. Porém Raul, o goleiro da camisa amarela, fez um bela defesa. Como era um dia de muitas escolhas e decisões, também decidi que seria goleiro no time de futebol do colégio, pois queria se igual a Raul.
Aos 30 minutos do primeiro tempo, Evaldo abriu o marcador. Como comemorei! Minha mãe, com minha irmã no colo, me deu muitos beijos. Como beijo de mãe é bom! Pedi a Deus mais gols para ganhar mais beijos. Meu pai prometeu que a cada gol do Cruzeiro ganharíamos um Chicabon! Ganhei um beijo e um picolé.
Veio o intervalo e começou o segundo tempo. Mal começou e Evaldo repetiu a dose: 2x0! Mais beijos da mãe e mais um picolé!
Natal, o diabo louro, ponta direita super veloz que era, partiu decido rumo ao gol e fez o terceiro! Que alegria! Deus realmente gosta das crianças, atendeu meu pedido! Mais beijos e mais um chicabon. Minha mãe alertou que aquele seria o último, pois daquele jeito, com certeza viria uma bela dor de garganta.
Em dia de estréia, lembro-me que foi a primeira vez que tive a vontade de chamar um técnico de burro: mas não o fiz. Aliás, nunca vaiei meu time e muito menos chamei nosso técnico de burro. O treinador, à época, era o sr. Ailton Moreira, que tirou de campo Evaldo e Natal, justamente os que tinham feito os gols! Não entendi. Entraram Marco Antonio (que depois se tornaria um dos meus melhores amigos na Caixa Econômica Federal) e Wilson Almeida. E não é que o Wilson Almeida ainda fez o quarto gol? Fiquei feliz de não ter chamado o técnico de burro, mas triste pois não ganhei meu quarto chicabon. Pelo menos ganhei os beijos de minha mãe.
O retorno do Mineirão foi fantástico! As pessoas ficavam de pé na calçada da avenida Antônio Carlos e nós íamos com as janelas do carro abertas com as bandeiras, que minha mãe fizera em sua máquina de costura, para o lado de fora. Passar pelo IAPI era uma festa! Muita gente comemorando e batendo palmas! Tudo era novidade!
Bem, foi uma belíssima estreia! Comecei ganhando de 4x0 do rival.
Só não pude estrear a gozação sobre os amigos atleticanos de colégio, pois na segunda-feira não fui à aula. Com tanto chicabon a garganta realmente inflamou...
E eu nem imaginava que um dia ganharíamos de seis!

3 comentários:

  1. Ótimo texto! Me fez lembrar, e me emocionar, do meu primeiro e único clássico. Um garoto do interior que tremia mais que vara de bambu, que quebrou 2 colheres de plástico de tanto nervosismo, foi magnífico. Ver a torcida do Atlético pulando de um lado e a do Cruzeiro respondendo de outro é coisa de louco! Agradeço à Deus por ter me dado essa oportunidade, e agradeço mais ainda por ter feito eu comemorar 6 gols do Cruzeiro naquele dia(foi 5x0 o resultado,mas houve um gol anulado do Ramires que eu vibrei como louco).
    Um abraço, Anisio!
    Continue com essas histórias que são maravilhosas.

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  2. Grande história, de um grande historiador - Hehehe. Realmente, a sensação que sentimos (nós todos Cruzeirenses) se parecem muito. Eu, que sou de Abadia do Dourados, no Triângulo Mineiro, me mudei com 10 anos, em 1978, pra Goiânia (onde moro até hoje - com muito orgulho) e o meu primeiro jogo foi, no mesmo ano, no Serra Dourada (Vila Nova 0x1 Cruzeiro - gol de Mauro Madureira - Camisa 8) - acho que eu 1978, mesmo. Foi SENSACIONAL.
    Diferentemente da maioria (como vc me diz, Anísio) começei a torcer pro Cruzeiro, a partir daquela fatídica partida final contra o Inter. Onde o Cruzeiro foi derrotado com um gol de Elias Figueiroa - no Beira Rio. Lembro-me que o pessoal começou à zoar o meu pai (tds torciam pra times do Rio - o que eu sempre achei (e vou continuar achando) um absurdo, já que éramos mineiros) e eu fiquei com um pouco de pena do meu pai, mas isso não foi determinante para a minha "escolha". Não sei bem explicar, mas parece que aquela derrota me passou uma coisa diferente, me dizia que aquele clube de camisa azul era a minha paixão. Não sei mesmo, acho que paixão não tem muita explicação né?
    Abraço parceiros/irmãos Cruzeirenses!!!

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