quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Enquanto a torcida do Cruzeiro comemorava...

Minha atuação dentro do Cruzeiro sempre foi mais ligada à área financeira. Antes mesmo de ser Conselheiro do Clube já participava da vida financeira do Clube à medida que, como Gerente da Caixa e da conta do Cruzeiro, assessorava tanto o diretor financeiro, Aristóteles de Ávila, como ao supervisor do departamento de futebol Benecy Queiroz. Propus algumas melhorias nas rotinas internas do Clube e a que mais me envolvia diretamente era a de ir ao Mineirão para, após as partidas, recolher o valor arrecadado com a bilheteria e entregá-lo ao carro-forte. Já comentei em outro texto, que anteriormente o valor era colocado no malote de roupa suja e levado para a Toca da Raposa para ser depositado no dia seguinte. Um perigo!
Por causa dessa minha rotina, eu havia ganhado uma autorização do Cruzeiro e da ADEMG para estacionar meu carro dentro do estádio. Antes dessa autorização, parava meu carro normalmente no estacionamento do estádio e ia assistir o jogo. Quando o jogo era à noite, no horário bizarro de 22:00, era uma perigo para mim, pois às vezes parava o carro bem longe do portão de número 2, e quando saía após liberar a renda, já eram 02:00 da madrugada e meu carro estava sozinho no meio do estacionamento.
Pois bem, no dia 09 de julho de 2000 me preparei desde cedo para o jogo importante que o Cruzeiro teria naquela tarde. Naquele dia, aconteceria no Mineirão, nada mais, nada menos que a final da Copa do Brasil! O Cruzeiro enfrentaria o São Paulo, grande rival e time de muitos craques como Rogério Ceni, Belletti, Marcelinho Paraíba e Raí! 
O Nove de Julho é uma data muito importante para os paulistas, pois relembra o dia em que São Paulo se rebelou contra o governo federal pleiteando uma nova constituição, pois a revolução de 1930 tirara dos estados muito de sua liberdade. É a maior data cívica paulista e relembra os combates ocorridos, principalmente, na divisa de São Paulo com Minas Gerais, que lutara defendendo o governo federal.
Pois bem, um novo combate entre paulistas e mineiros estava previsto para um novo nove de julho, só que dessa vez sem derramamento de sangue e na arena esportiva!
Aquele domingo começou um pouco diferente para mim. Acordei cedo, cuidei dos cachorros, podei algumas plantas e fui lavar a calçada. Já que estava lidando com água, resolvi lavar meu carro, coisa que não fazia há muito tempo! Porém, o carro que tinha à época foi o mais bonito e confortável que já tive: era um Tempra SW italiano. Bonito demais! Valia até a pena gastar algum tempo lavando e polindo-o. Foi o que fiz, e ficou uma belezura. Digno de uma final de campeonato!
À tarde saí para o Mineirão no carro lavado e polido. Parecia até o presidente do Clube. Ao chegar em frente ao portão 2, percebi que teria dificuldades em estacionar meu carro dentro do estádio. O próprio comandante da PM, Coronel Severo, em pessoa, coordenava aquela esbórnia que se transformara a entrada de veículos credenciados. Para variar, credenciaram mais veículos do que cabia no espaço. Coisas de dia de decisão... O Coronel pediu que me dirigisse ao portão 13, do outro lado do estádio, onde minha credencial valeria também. Assim, no meio da confusão de gente, cavalos da PM, ambulantes, cambistas e afins, dei ré e me dirigi ao portão 13. Entrei e estacionei o carro logo embaixo do estádio. Ao sair e olhar para cima, vi a torcida do São Paulo na murada olhando para baixo e para meu carro. Não tive um bom pressentimento... Bem, como dizia meu bom avô, "o que não tem solução já está solucionado". Com a sua lembrança acesa em minha memória, subi para as cadeiras cativas também pedindo a proteção de São Sebastião para o meu carrinho que tinha ficado à mercê dos amigos paulistas.
Começou o jogo e como o anterior, em São Paulo, havia acabado empatado sem gols, um empate com gols daria a taça ao Tricolor Paulista. Assim sendo, era promessa de grandes emoções, o que realmente ocorreu, dentro e fora dos gramados. Final de primeiro tempo: zero a zero. Início de segundo tempo: jogo disputadíssimo e a torcida do Cruzeiro fazendo uma pressão enorme. Aos 29  minutos Marcelinho Paraíba faz um gol que calou o Mineirão. Eu, particularmente, fiquei possesso pois creditei tal gol mais ao goleiro André do que ao craque são paulino. Eu, e a maioria da torcida cruzeirense, achávamos que o André tinha os braços curtos, pois volta e meia chegava atrasado nas bolas. 
A torcida mais corneta que o Cruzeiro sempre teve, foi a das cadeiras cativas. Como reclamam e como torcem pouco! A partir daquele gol começou o calvário de meus ouvidos que tiveram que ouvir pérolas do tipo: O Levir não ganhava nada aqui e agora ganha tudo no São Paulo, culpa do Perrella! Ou ainda: Ficam insistindo com esse menino Geovanni... Fora Marco Aurélio, burro! burro!
Bem, foi uma ducha de água fria, pois, como disse antes, o empate dava o título ao São Paulo e naquele final de jogo estávamos perdendo. Festa tricolor. Pelo menos o meu carro não sofreria tanto após o jogo com a comemoração deles. Era o que eu esperava.
Bem, entrou o Fabio Júnior em campo e empatou aos 35 em jogada magistral de Müller que também havia entrado. Explodiu o Mineirão! Diminuiu o ritmo da torcida são paulina. Aumentou o meu receio com meu carro...
Aos 45 minutos a torcida dos paulistas estava já comemorando o título quando Geovanni, aquele muito novinho que o irresponsável do técnico colocara para jogar, sofre falta e, aconselhado por Müller bate magistralmente e sela definitivamente a conquista do título.
Ôpa! Somos campeões! Ôpa! Meu carro debaixo do local de concentração da torcida tricolor! Saí correndo para tirar meu carro de lá, porém alguém levanta uma bola na área do Cruzeiro e o atacante do São Paulo cabeceia sozinho! Valei-me São Sebastião! E valeu-me mesmo! Não é que o goleiro de braço curto pegou magistralmente? Fez defesa de final de Copa do Mundo! Bem, afinal era uma final de Copa do Brasil. Valeu! Valeu! Simon termina o jogo de uma maneira teatral, como só ele sabia fazer e lá vou eu escada a baixo. Eu não sabia que a PM iria reter os paulistas após o jogo na arquibancada.
Ao chegar em frente ao meu carro, deparei com um cena dantesca. Antes ainda do jogo, nossos amigos tricolores jogaram todos os restos de suas "quentinhas" de tropeirão em cima do meu Tempra SW italiano lavado e polido! Ficou o carro mais "mixido" de Minas Gerais! Cobriram o capô, o vidro, a capota, enfim, transformaram meu carro numa quentinha mesmo. Até a cor prateada dele ajudava a compor a cena.
Pensei comigo: se fizeram isso antes do jogo, imagina agora que perderam de maneira tão impressionante. Vou tirar meu carro daqui!
Entrei no carro, liguei o limpador de parabrisas, joguei áqua, mais água e muito mais água e coloquei o carro entre os caminhões da Rede Globo. Os operadores da Globo que ficam nos caminhões foram todos ver meu carro "mixido". Foi até motivo de comentário no jornal do dia seguinte. 
Com o carro em segurança (?) voltei para as cativas e comemorei até! 
Depois das comemorações fui para a tesouraria providenciar a expedição do dinheiro da renda. Enquanto trabalhávamos, começaram a chegar as notícias de que a toricda tricolor ficara furiosa não só com o resultado do jogo, mas com a ordem do Coronel Severo de segurá-los até mais tarde, retidos na arquibancada. quando foram liberados, quebraram os banheiros, as portas dos bares, placas e muitas outras coisas. Enfrentaram a polícia e travaram uma batalha campal contra os policiais mineiros, bem ao estilo do nove de julho de 1932. 
Naquela hora, agradeci a São Sebastião que me aconselhara a tirar o carro de lá! Valeu Santo Cruzeirense!
Ao terminar o trabalho e remeter o dinheiro ao carro forte, fui buscar meu carro para ir a um lava-jato e depois ir para casa. Ao passar no local onde havia deixado primeiramente meu carro, quase caí para trás: no local jazia uma tampa de concreto de alguma caixa de esgoto de algum banheiro do Mineirão. Aquela placa de concreto devia pesar mais de cem quilos e fora arremessado do andar superior, onde ficam os bares. Vários veículos estavam amassados, inclusive um de uma rádio que tinha um vaso sanitário caído sobre o parabrisa e capô! Uma cena digna de filmes de terror!
Corri para os caminhões da Globo e ainda ganhei uma gozação de um global que disse que o tempero do meu Tempra estava cheirando muito bem.
Levei o carro para lavar em um lava-jato e no dia seguinte levei-o ao posto para uma geral por dentro e por fora. 
Duas semanas depois, fui a um casamento e minha esposa comentou ao entrar no carro: Seu carro está com cheirinho de alho...
É isso aí: Tudo pelo Cruzeiro! Hoje não trabalho mais com o recolhimento da renda. Hoje é tudo vendido antecipado, o que melhorou bastante, para o torcedor, para o Clube e principalmente para mim. Só assisto o jogo e está bom demais!





3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito interessante a história, Anísio! Eu lembro desse jogo, não o assisti no Mineirão, mas na TV, pois moro em Montes Claros, longe pra caramba de BH. Quanto ao jogo, lembro que alguns amigos meus, atleticanos, já estavam me zuando pela perda do campeonato, aí o Giovanni faz aquele gol de falta! Foi maravilhoso! Bons tempos aqueles... Hoje, infelizmente o Cruzeiro não é nem sombra daquele time...

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  3. Eu lembro que eu gravei e revia todos os dias, pra mim é o jogo mais inesquecível, mais apaixonante!

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