Não me lembro
da data e nem o placar. Me lembro do adversário que era o América Mineiro. O
ano era de 1999, o dia da semana era um domingo.
Para
variar, após o almoço, beijava minha esposa e ia para o Mineirão bater o ponto
em mais um jogo do Cruzeiro. Aquele domingo era um domingo especial, afinal,
seria a primeira vez que levaria o Tiago, meu filho caçula, ao Mineirão.
Detalhe: ele ainda não tinha completado um ano de vida. É lógico que aquele
beijo que dei na Beatriz foi um beijo dramático, pois, como qualquer mãe
zelosa, tentava de toda maneira me fazer desistir do passeio com o pequenino.
Chorou, emburrou, ameaçou fazer greve, ligou para a sogra, prometeu queimar
minha coleção de camisas, mas nada me convenceu de que não deveria levar o
Tiago ao jogo. Afinal de contas, o primeiro jogo que assisti no Mineirão eu
tinha seis anos. Comecei muito tarde. Queria que meu filho começasse bem cedo.
Vesti
nele um uniforme da torcida Baby, amarrei-o na cadeirinha do carro e fomos os
dois, só os dois para o programa que após aquele dia se tornou um ritual para
nós nos dias de jogos.
Ao
chegar no Mineirão, parei meu carro no estacionamento e me dirigi à bilheteria
para comprar nossos ingressos. Apesar de ser um bebê, Tiago deveria colocar
aquele ingresso em um quadro e preservá-lo para sempre. Aquele ingresso seria a
marca de um ritual de iniciação.
Logo
que cheguei à bilheteria, com o Tiaguinho no colo, entrei na fila e, como de
costume, havia uma confusão generalizada com as filas se misturando e pessoas
empurrando. O fato de estar com um bebê no colo me facilitava, pois algumas
pessoas, gentilmente, me deixavam passar na frente. Quando cheguei ao guichê,
senti que uma mão estranha estava dentro do meu bolso esquerdo. Foi a conta de
gritar que estava sendo assaltado e a mão se retirou. A sorte era que o
dinheiro dos ingressos já estava nas mãos do bilheteiro, pois senão, teria
voltado para casa.
Perto
das bilheterias ficavam os soldados da cavalaria com suas montarias,
monitorando o movimento. Fui até um deles e comuniquei o assalto. Me respondeu
que não havia o que fazer, resposta que me irritou muito.
Entrei
para o estádio e encontrei o Presidente Zezé Perrella, que sempre ficava
tomando uma cerveja em um bar em frente ao portão de número dois, que era ponto
de encontro dos Conselheiros do Cruzeiro e onde a cornetagem corria solta. Ele
me perguntou se eu não era louco de ir ao campo com um bebê de colo, ao que
respondi que era sua primeira experiência em um estádio e que já havia tido
também sua primeira experiência de ser assaltado. Zezé ficou muito assustado
com o ocorrido e, por coincidência naquele momento, passou o Coronel
responsável pelo policiamento do estádio. Zezé chamou-o e contei o ocorrido,
inclusive sobre afalta de iniciativa de seu comandado montado. O Coronel disse
que sentia muito o ocorrido e que, eu deveria procurar uma delegacia e relatar
o caso à Polícia.
Naquele
momento, Tiago esteve prestes de ter sua primeira experiência de ser preso,
pois, incontinenti, perguntei ao Coronel onde ele havia comprado aquela
fantasia de policial. Ele fez cara de que não havia entendido e, para desespero
do Zezé Perrella, expliquei que, um militar fardado que me manda procurar a
polícia, não devia estar vestido com uma farda e sim como uma fantasia. Os militares acompanhantes do Coronel
quiseram me prender, mas o oficial boa praça viu que eu estava muito nervoso e
relevou.
Após
ter brigado com a esposa, ser assaltado e quase ser preso, subi para as
arquibancadas e assisti nosso Cruzeiro escrever mais uma página heroica e
imortal vencendo o Coelho, não sem antes, no intervalo ter levado o Tiago para
comer um tropeirão.
À saída
do estádio me dirigi ao carro e no meio do caminho dei de cara com um arrastão.
A galera me encurralou no muro e aos gritos me exigiram que passasse tudo o que
tinha nos bolsos. Expliquei que não tinha nada mais, pois havia sido assaltado
na entrada e só tinha o garotinho. Já no limite da paciência disse que podiam
levar o garoto, pois era só o que faltava. Naquele momento, para meu assombro,
chegou um malaco e me reconheceu. Disse aos colegas que eu falava a verdade,
pois ele, pessoalmente, havia me assaltado na entrada e levado sessenta
reais... Naquele momento entendi o significado do termo “crime organizado”!
Enfim,
foi uma estreia digna de um verdadeiro Cruzeirense. Após aquele dia, já fomos
juntos ao Mineirão uma quantidade enorme de vezes e ele, antes de completar
cinco anos, já tinha mais títulos importantes comemorados do que muitos times
que se acham importantes!
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