sábado, 31 de março de 2012

Treino é treino e jogo é jogo: O Samba do Crioulo Doido


Hoje é dia 31 de março de 2012. Nesta mesma data, em 1964, eu morava em Governador Valadares e vivi, muito de perto as agruras daquela data. Pessoas morreram na minha rua, por causa da bendita revolução, que para muitos foi um golpe. Em 2005 escrevi a monografia abaixo para a minha especialização em Histórias e Culturas Políticas da UFMG. Apesar de não ter nada a ver com futebol, reflete um período de tempo que foi muito marcante na minha vida.


                                   E foi proclamada a escravidão![1]



   INTRODUÇÃO

            O Samba do Crioulo Doido
Quarteto em CY
Composição: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)
Foi em Diamantina
Onde
nasceu JK
Que a princesa Leopoldina
Arresolveu se casá
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com tiradentes
Lá iá lá iá lá ia
O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá
O bode que deu vou te contar
Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta
Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão
E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história
Que é dos dois a maior glória
Da. Leopoldina virou trem
E D. Pedro é uma estação também
O, ô , ô, ô, ô, ô
O trem tá atrasado ou já passou[2]
         “Treino é treino, jogo é jogo”. Neném Prancha, grande filósofo do futebol brasileiro, eternizou sua filosofia em ditados como esse. Tal filosofia inspirou o título do presente trabalho, onde será abordada a crítica ferina aos costumes e à sociedade, feitas por Sérgio Porto, que escrevia sob o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, mestre da sátira política, nos anos iniciais da ditadura militar.
         O período histórico que compreendeu a década de 1960, após o golpe militar de março de 1964, foi repleto de situações limite e comportamentos pouco ortodoxos por parte da sociedade brasileira, que tentava, à sua maneira adaptar-se aos novos tempos de repressão e censura. O mandonismo dos militares, as políticas denuncistas que visavam prejudicar carreiras de funcionários públicos e o medo do comunismo internacional, ditavam o imaginário popular do brasileiro.
         Nada disso escapou da percepção de Sérgio Porto. Através das crônicas que publicou no jornal Última Hora[3], também através das letras de canções, como no caso do “Samba do crioulo doido” e seus livros, como por exemplo o Febeapá: o Primeiro Festival de Besteira que assola o país (havendo ainda o segundo e o terceiro Febeapás), Garoto linha dura, entre outros, as nuances e os nonsenses de uma sociedade atônita com as transformações ocorridas foram hilariamente reportadas.
         O presente trabalho de conclusão da matéria Decantando a República: um inventário Histórico e Político da Canção Popular Brasileira tem por escopo retratar o período em questão sob a ótica de Sérgio Porto, principalmente através da letra do samba. A irreverência a serviço da crítica social. A tentativa do autor em burlar a censura com uma letra aparentemente ingênua em uma estória divertida. Tudo isso será visto rapidamente tendo em vista o pequeno texto redigido. Porém terá valia como descrição de uma época e da cultura política que fermentou durante quase todo o século XX no Brasil: as intervenções militares vistas como necessárias e bem vindas.
         A visão dos elementos mais significativos, que compunham a sociedade brasileira daquela época, por Sérgio Porto, perceptíveis na letra do samba será destacada. Os militares, a classe média, os funcionários públicos, os políticos e outros personagens estão presentes sub liminarmente na letra de Stanislaw. Quem sabe não estará nascendo aqui a Pesquisa do Historiador doido?

2 OS MILITARES
         Os militares, que saíram do evento de 31 de março como vencedores, trataram logo de demarcar seu território junto à sociedade preparada para os novos tempos de progresso e ordem. Eram os libertadores, guardiães das instituições democráticas e governantes “temporários” do Brasil. A classe média sentia-se recompensada e atendida no seu pleito de combate ao anticomunismo. O medo de perder seus bens para o estado tinha diminuído com a deposição de João Goulart, que pregava a reforma agrária e medidas inaceitáveis a quem possuía algum bem ou empregava alguém.
         Isto posto, a predominância do elemento militar à frente das instituições, empresas estatais e também de empresas privadas nas posições de comando não era discutida. O sonho dos pais da classe média era ter um filho nas academias militares: um bom salário, um futuro garantido e a possibilidade de influência para todos os parentes. A cultura do “você sabe com quem está falando?” imperava e resolvia várias pendências facilmente. Mas também trazia conflitos. Algumas vezes era necessário medir forças e patentes. Como no caso do cachorro do coronel que atarantava os condôminos do prédio onde morava, e que por coincidência o síndico era um major[4], hierarquicamente inferior à patente do dono do cachorro. Em tese, o síndico seria o responsável pela ordem no prédio e administrador dos interesses dos moradores, além de autoridade máxima. Mas, ao mesmo tempo, profissionalmente, o coronel era superior ao major. Tão inacreditável ficou a situação que virou crônica de Stanislaw:
“Por causa do que o cachorro fez, foi aberto um IPM de cachorro. King – este era o nome do cachorro corrupto – cumpriu todas as exigências de um IPM. Seu depoimento na auditoria foi muito legal. Ele declarou que au-au-au. (Febeapá 1, p.25)[5].
         No caso da canção tema deste trabalho, a intervenção dos militares e do governo, é claro, já pode ser notada no início da canção, quando o próprio Sérgio Porto lê o prefácio, no qual  explica que o crioulo acostumado a fazer sambas enredo sobre acontecimentos históricos brasileiros, recebe a incumbência de fazer um enredo sobre a conjuntura nacional[6] . É nítido que o autor quer mostrar a ingerência do governo militar também no espaço cultural. Tal atitude demonstra o interesse dos governantes em atuar no enredo como uma propaganda política enaltecendo os feitos da revolução. Deu no que deu. Os únicos versos que contêm uma asserção verdadeira são os dois primeiros que dizem que em Diamantina nasceu Juscelino Kubtscheck. Era tremenda a pressão do regime sobre as pessoas que, despreparadas tinham que se submeter à vontade dos governantes.
         A partir daí estava feita a crítica sobre novos costumes, como, por exemplo, o denuncismo generalizado que passou a fazer parte do dia a dia dos brasileiros. Principalmente no meio artístico e jornalístico onde os agentes incumbidos de recolher informações sobre ações subversivas mais produziam suspeitas sobre as pessoas vigiadas, do que produziam informações verdadeiras[7].  A obrigação do crioulo de fazer um samba diferente do que estava acostumado, produziu uma obra tão doida quanto o autor.
         Também o fato de envolver Tiradentes na letra do samba serve como uma crítica aos militares. É sabido que “Joaquim José, que também é, Da Silva Xavier” era um militar e patrono da Polícia Militar de Minas Gerais, berço do golpe. Sendo um ícone da república e militar, é colocado como uma pessoa gananciosa pois queria “ser dono do mundo”, casou-se com a princesa (que representaria a Pátria) contra a vontade dela e ainda se proclamou imperador.
         Como nascedouro do golpe de 1964, Minas Gerais é lembrada como gênese da confusão, pois “foi em Diamantina” e em outra parte da letra, Tiradentes “das estradas de Minas seguiu para São Paulo” para conversar com Anchieta, um dos fundadores da capital paulista.

3 OS MINISTROS, POLÍTICOS E FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
         Stanislaw era um crítico mordaz do momento político vivido pelo Brasil após a revolução de 31 de março. E como não poderia deixar de ser havia a crítica sobre aqueles que conduziam a burocracia brasileira, usando como ferramenta de manutenção do poder e privilégios o puxa-saquismo. Em sua crônica “O Puxa-saquismo Desvairado” no primeiro Febeapá, conta a estória de um prefeito municipal cansado de mudar o nome da praça principal do lugarejo, devido às constantes mudanças de presidentes da República, que resolveu tal problema dando o nome definitivo à praça de “Praça Presidente Atual”[8].
         Em outra crônica, “O Candidato Ideal” no Febeapá 3, cita expressões populares para descrever as qualidades que o político deveria ter naquele momento em questão: “mão de gato, pé de boi, cabeça de bagre, estômago de avestruz e espírito de porco”[9]. Sorrateiro, pronto para qualquer trabalho mais simples, ruim de serviço, engole qualquer coisa e a digere bem e finalmente inventor de situações embaraçosas: eis o perfil do político brasileiro submetido aos poderes ditatoriais dos militares. É bom lembrar que a falta de discussão e o excesso de disciplina e hierarquia, são predicados de todo bom militar. O problema é que quiseram que toda a sociedade se adaptasse a tais qualidades.
         Na letra do samba encontramos Tiradentes se entrevistando com Anchieta, vigário dos índios. Não deixa de ser uma função pública, a de vigário, fruto da burocracia excessiva do país, que por sua vez, “aliou-se a Dom Pedro e acabou com a falseta”. Também o fato de “dar bode” pode ser explicado por um medo excessivo de errar e desagradar os comandantes governantes. Como constou acima, um estômago de avestruz ajuda a engolir as mais difíceis mazelas burocráticas.

4 O POVO BRASILEIRO
         As classes dominantes enxergavam apenas baderna, anarquia e principalmente subversão e o pior de todos, a comunização do país através dos movimentos legítimos das classes trabalhadoras[10].  O movimento operário, principalmente, era o alvo favorito dos militares, que viam na classe organizada e atuante um dos principais focos de resistência ao regime.
         No livro Garoto linha dura, na crônica “O operário e o Leão”, Stanislaw zomba descaradamente da restrição que as classes dominantes faziam da classe operária. Conta que um leão fugiu do circo e um rapaz, heroicamente, enfrentou a fera e a subjugou. Depois do ocorrido a imprensa corre para saudar o jovem herói e quer saber qual era a sua profissão. Ao saberem que o rapaz era um operário, a versão da façanha mudou de foco: “Leão indefeso e acuado morto por feroz agente comunista". Tal mudança de foco demonstra a crítica tanto ao ponto de vista dos militares como da postura adesista da grande imprensa. É sabido que grandes jornais como, por exemplo, O Globo e também redes de TV como a Rede Globo e posteriormente o SBT, faziam o jogo dos governantes visando favorecimentos.
         Já no Samba do Crioulo Doido a citação ao povo está justamente no prefácio, onde há uma imposição ao compositor, de origem bem humilde, de que faça o que não tem competência para fazer. O ritmo de Brasil Grande exigia uma formação superior ao que o povo realmente possuía.
         Também a resolução da questão colocada na letra da canção é extremamente desfavorável à população: “E foi proclamada a escravidão”! O que fora mote para desbancar a monarquia há um século antes pelos militares, volta como solução para as mazelas brasileiras. A escravidão do brasileiro submetido à vontade férrea dos militares golpistas era a verdadeira solução de todos os problemas nacionais. O povo é apenas um detalhe e uma questão de retórica no discurso revolucionário. Por ele foi feita a revolução e proclamada a escravidão. E como prêmio e reconhecimento, D. Leopoldina (que representa na música a Pátria) virou trem e Dom Pedro, que fora Tiradentes, vira estação. Estação que socorre e abriga a composição de vagões que é a nação brasileira. A estação é o local onde param os trens, de onde partem e onde chegam. Daí a pátria ser um trem com partida e destino certos, em horários também certos. Há um detalhe: o povo que está na estação constata que perdeu o trem nação: “o trem está atrasado ou já passou”...

5 CONCLUSÃO
         O Samba do Crioulo Doido retrata com muito humor e sarcasmo a conjuntura política da década de 1960 posterior ao golpe militar. Atingiu seus objetivos de crítica, principalmente para quem estava sintonizado com o que acontecia no país de imprensa cerceada pela censura. Interessante que muitas pessoas que são contemporâneas ao lançamento da canção entendem que trata-se de uma brincadeira de um autor de crônicas engraçadas que se meteu no mundo da música. Alguma coisa como uma galhofa sobre os sambistas das escolas de samba, que já àquela época, sofriam pressões para comporem seus sambas de acordo com a vontade dos maiorais do samba, do jogo do bicho e da política.
         A crítica é velada até certo ponto. Hoje é vista desnuda e atual. Também hoje possuímos nossos crioulos doidos que estão nos mais diferentes cargos e mais diferentes extratos sociais.
         Ao brincar com personagens tão importantes e marcantes na História brasileira e envolvê-los em tramas inverossímeis, Sérgio Porto mostrou a genialidade que o governo militar procurava provar que o povo brasileiro possuía. Convocações como “Ninguém segura a juventude do Brasil”[11] nas vozes de Os Incríveis, outras canções com Don e Ravel, Wilson Simonal, Antônio Carlos e Jocafi, Ivan Lins entre outros, além de programas globais como Amaral Neto: o repórter visavam mostrar ao brasileiro o seu potencial e o que, com o auxílio dos revolucionários de março de 64, estava sendo feito. A propaganda visava ao invés de ocultar o que ocorria nos “porões da ditadura” através da censura, mostrar ao povo que toda a sua potencialidade estava sendo explorada[12].
         Ao passo que muitos cantavam que “o Brasil merece o nosso amor”, Stanislaw cantava que estava “proclamada a escravidão”!  Quando cantavam que “este é um país que vai prá frente”, o crioulo cantava que nossa pátria havia virado um trem. E o pior: que o povo havia perdido o trem, pois, como conclui a letra do samba, “ O trem tá atrasado  ou já passou”...
         Sérgio Porto com suas crônicas irreverentes e seus livros, os Febeapás, lutou contra o regime então imposto ao país. Seu Crioulo Doido, ao lado da Graúna, Fradim, Bode Francisco Orelana e outros personagens de Henfil[13] , formaram uma certa reserva de resistência de quem não podia se manifestar livremente, mas podia protestar através da leitura de tal literatura subversiva (segundo os censores de plantão). Leitura essa que ficava mais emocionante à medida que a censura mandava recolher edições de jornais, como O Pasquim por exemplo. O fato de saber que tal publicação era considerada subversiva aumentava o interesse de possuí-la. Era uma corrida às bancas para chegar antes que a polícia também chegasse para recolhê-las.
         Assim sendo, resta-nos hoje reler tais publicações e ficarmos deliciados com tanta criatividade e ironia, que contrariava as pessoas que sentiam que tais discordâncias eram perniciosas para o Brasil. Gente que empunhou o terço como arma contra o comunismo em várias localidades do país em “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” [14].
         Em tempo, o prefácio:
         “Esta é a história de um compositor que, durante muitos anos obedeceu ao regulamento da Escola de Samba e só fez música sobre história do Brasil e tome tema de Inconfidência, Abolição, Proclamação, Chica da Silva, e o coitado tendo que aprender tudo isto. Até que um dia lhe deram um tema complicado: a atual conjuntura e aí o crioulo endoidou de vez.” [15]



[1] Quarteto em Cy. Samba do crioulo doido (com prefácio de Stanislaw Ponte Preta). Sérgio Porto [Compositor]. In: Série grandes nomes – Quarteto em Cy. São Paulo: Polygram, p1995. CD 2. Faixa 1.
[2] Quarteto em Cy. Samba do crioulo doido... Op. cit.
[3] MORAES, Dislane Zerbainatti. “E foi proclamada a escravidão!”: Stanilaw Ponte Preta e a representação satírica do golpe militar. Revista Brasileira de História., São Paulo: 2004, vol. 24, no. 47, p. 61-102. p.63.
[4] PRETA, Stanislaw Ponte. Febeapá: o Primeiro Festival de Besteira que Assola o País. (capa e ilustrações de Jaguar). Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1966. p.25
[5] MORAES. Op. cit. p. 73.
[6] Quarteto em Cy. Op. Cit.
[7] NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História., São Paulo: 2004, vol. 24, no. 47, p.103-126. p.104.
[8] MORAES. Op. cit. p. 87.
[9] Ibidem, loc. cit..
[10] TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. Revista Brasileira de História., São Paulo: 2004, vol. 24, no. 47, p. 13-28. p.15.
[11] JARDIM, Eduardo. Que país é este? In: CAVALCANTE, Berenice, STARLING, Heloísa Maria Murgel, EISENBERG, José (Orgs.), Decantando a República, v2: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. Pp.48-49.
[12] FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: EDUSC, 2004. p.266.
[13] HENFIL. Fradim. Rio de Janeiro: Editora Codecri Ltda; Petrópolis: Vozes, 1973.

[14] MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil(1917-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002. p.266.
[15] CAVALCANTE, Berenice. A república às avessas: boemia carioca e crítica libertina.  In: CAVALCANTE, Berenice, STARLING, Heloísa Maria Murgel, EISENBERG, José (Orgs.), Decantando a República, v2: inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Ganhamos no campo e no discurso!

Em 06 de maio de 2007 aconteceu o jogo final do campeonato mineiro daquele ano.
Na primeira partida, jogada uma semana antes, o nosso rival nos derrotara pelo elástico placar de 4 x 0, tendo acontecido naquela partida o folclórico “gol do retrovisor”. Nosso goleiro Fabio, após tomar o terceiro gol, foi buscar a bola dentro da meta para recolocá-la em jogo, porém, antes que o fizesse, o juiz recomeçou a partida com outra bola. Espertamente o atacante alvinegro roubou a pelota de nossos meio-campistas e correu em direção ao gol de Fabio, que de costas para o adversário, se encaminhava para buscar a outra bola. Resultado: o atacante chutou em direção ao nosso gol e consignou o quarto tento. Muitos protestos por parte da direção cruzeirense, mas que de nada adiantaram junto à Federação Mineira de Futebol.
        Pois bem. No dia 06, como de costume, me dirigi ao Mineirão para assistir a partida derradeira, com a certeza que devolveríamos a goleada e seríamos campeões escrevendo mais uma página heróica e imortal na História de nosso time, e que, mais uma vez, eu seria testemunha ocular de tal momento, assim como acontecera quando Revétria destruiu as hostes inimigas anos antes. É bom lembrar, que, dessa vez, o time do Cruzeiro era infinitamente melhor qualificado que nosso rival, e que a presença de vários jogadores nascidos na base cruzeirense nos dariam um apetite maior para devorar o galo. Tal escolha por muitos garotos da base deu-se pelo fato de nosso treinador durante o campeonato ter abandonado o barco após a goleada, sendo substituído por Emerson Ávila, treinador da base. Vários medalhões foram afastados e a chance aos juniores fora dada.
        O fato do abandono do posto pelo treinador e o gol inusitado foram explorados à exaustão pela mídia nacional, que praticamente entregara o troféu antecipadamente ao rival. Somente os apaixonados cruzeirenses acreditavam em uma vitória por quatro gols, e eu e alguns conselheiros estávamos entre esses abnegados.
        Antes do jogo começar, me reuni com Benecy Queiroz e sugeri que nosso goleiro Lauro (Fabio se contundira na partida anterior) jogasse uma bola no fundo de seu gol e esperasse o juiz iniciar a partida. A intenção era verificar o que diria o juiz daquela partida sobre o jogo com uma bola no fundo do barbante. Assim foi feito e, antes da partida começar, o assistente foi até o juiz e comunicou que havia uma bola dentro do gol cruzeirense. O juiz, Álvaro Quelhas, se dirigiu a Lauro e mandou que tirasse a bola de lá, pois não poderia começar o jogo com tal bola dentro do gol. Protestamos muito, pois o quarto gol da partida anterior foi consignado com uma bola dentro de nossa meta. Aliás, Fabio se dirigia para retirar a bola quando o juiz determinou o reinício da partida. Como sempre, dois pesos e duas medidas, sempre a favor de nosso adversário... A bola foi retirada.
        Lembro-me que foi uma semana muito alegre para a torcida atleticana, afinal, desde 2000 não ganhavam o campeonato mineiro. Muitas crianças que foram ao estádio naquela tarde, jamais haviam gritado que seu time era campeão, e aquela era a oportunidade há tantos anos esperada.
As filas na porta da sede de Lourdes viravam as esquinas e a animação era enorme. Os ingressos referentes à torcida deles se esgotaram em frações de horas, enquanto os ingressos disponibilizados para a torcida cruzeirense sobravam e as bilheterias no Barro Preto estavam às moscas. A diretoria atleticana se dirigiu ao nosso Presidente Alvimar Perrella e solicitou que parte dos ingressos colocados à disposição do Cruzeiro fosse repassada aos adversários, no que foram atendidos pelo nosso galante mandatário. Muitos amigos fregueses pediram que eu comprasse ingressos nas bilheterias do Barro Preto, principalmente das cadeiras especiais que foram as primeiras a se esgotar na sede de Lourdes.
Enfim, no domingo, dia do jogo, o Mineirão se revestia com as cores alvinegras. Ao chegar ao estádio fiquei surpreso com a multidão que se acotovelava nas entradas, ávida por dar um grito de campeão. Fiquei pensando como a Torcida Cruzeirense é afortunada, ao poder sempre estar comemorando.
Logo na entrada encontrei com o Presidente Alvimar e notei que o seu séquito não havia vindo. Isso me impressionou, pois Alvimar sempre foi, e é, uma pessoa muito querida no Clube. Realmente a confiança não estava figurando como palavra de ordem nas hostes cruzeirenses. Procurei encontrar amigos do Conselho e esses raleavam em presença. Encontrei dois amigos, um que é desembargador e outro que é comerciante e me juntei a eles.
Ao subirmos para as cadeiras, sentamo-nos em frente ao meio de campo e aos poucos fomos, prudentemente, nos aproximando das grades que dividiam as cadeiras especiais das arquibancadas onde fica nossa torcida. Antes do início da partida, já estávamos assentados na última fileira, bem perto da grade. Cabe aqui ressaltar que estava uma torcida atleticana bem diferente daquela que usualmente freqüentava o Mineirão. Foi um dia em que muitas famílias se dirigiram ao estádio, uma vez que parecia ser um jogo de uma torcida só, com a presença de muitas mulheres, crianças e principalmente idosos ávidos em dar o grito de campeão, tão usual nas décadas anteriores a 1960, mas tão difícil de acontecer após aqueles anos. Encontrei muitos amigos e confraternizamos alegremente, apesar de estar envergando uma camisa de meu time. Muitos riam de mim e perguntavam o que eu fazia por lá, já que o título daquele ano seria deles com uma nova goleada a ser aplicada. Expliquei que ser Cruzeirense de verdade é igual o casamento: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na vitória ou no empate (não admitimos derrotas). Realmente se prenunciava uma festa!
Como disse, a festa estava pronta e eu tinha certeza que colocaríamos muita água naquele chopp envelhecido há sete anos. No dia anterior entreguei ao nosso técnico um DVD com uma montagem feita por alguns torcedores que me enviaram, após contato no orkut, com o filme “300”. É a história de trezentos guerreiros espartanos que enfrentaram milhares de persas, defendendo a Grécia de uma invasão e conseguiram evitar a entrada dos inimigos. A montagem ficou muito legal, com cânticos de torcida, recados apaixonados  e foi mostrada aos jogadores após a exibição do filme. Foi uma motivação e tanto! Eu sabia que nossos juniores venceriam o pobre galinho, só não sabia de quanto seria. Eu acreditava que poderíamos devolver a goleada da semana anterior e aí sim, gritarmos: “Um dois, três, campeões mais uma vez”!
O jogo começou e logo aos oito minutos Guilherme acertou um “pombo sem asa” e inaugurou o placar para o delírio da pequena torcida Cruzeirense. Algo bom se prenunciava... Aos quarenta e três minutos Wellington ampliou o placar e calou de vez o Mineirão. Ouvi um rapaz dizer que não deveria ter trazido seu avô ao estádio, pois achava que ele não resistiria a mais uma decepção.
Entretanto, como nem tudo acontece como planejamos, nosso zagueiro Luisão caiu na provocação dos atleticanos e foi expulso. Se com onze já era difícil, com dez ficou mais ainda. Mas que o Mineirão calou isso calou.
 Chegou o intervalo e ficamos os três Conselheiros conversando alegremente e brincando com nossos amigos atleticanos de que no segundo tempo faríamos mais dois gols. Nesse momento chegou, bem perto de nós, um grupo de rapazes bem fortes, com a camisa preto e branca, e começaram a fazer discurso a nosso respeito. Nos chamavam de marias e perguntavam o que estávamos fazendo ali, que naquele dia o Mineirão era deles. Procuravam uma maneira de nos agredir e estavam propensos a isso. Muitos atleticanos vieram em nosso favor, pedindo aos rapazes que saíssem dali, pois havia muitas crianças e idosos por perto e não seria bom haver confusão. Nada disso adiantou. Um, inclusive, assentou-se ao meu lado e começou a cantar músicas de torcida, sempre cuidando de me esbarrar ou empurrar. Em dado momento, ao se levantar, me deu uma cotovelada na orelha que doeu muito. Instintivamente me levantei e protestei. Era tudo o que o grandalhão esperava! Agora o combate havia começado. Ele fechou a mão e veio me dar um soco, porém, meu amigo desembargador, que estava assentado na fileira de cima, para me defender empurrou o grandalhão que se desequilibrou e quase caiu. A confusão imperou!
De repente, o grandalhão voltou para nos agredir e eu gritei com ele que aquilo não era justo. Ele e seus amigos saídos das academias contra três senhores na casa dos cinquenta anos! Era uma covardia! Ele replicou dizendo que bater em maria nunca era covardia... Eu disse que ele era muito macho brigando comigo, que queria ver ele brigando com um amigo meu, muito mais forte do que ele. Ele disse para eu chamar meu amigo. Foi aí que ele errou...
Desci as escadas e chamei um policial que por ali estava. Expliquei para ele o que acontecera e pedi a sua ajuda, dizendo que se tratava de um desembargador que estava sendo agredido. Ele prontamente seguiu para o local da confusão e se dirigiu ao meu amigo perguntando se ele era juiz de direito. Meu amigo conselheiro se identificou, disse uns artigos e parágrafos de um certo código e deu voz de prisão ao inconveniente grandalhão atleticano, que atônito reclamou comigo que aquilo era uma “sacanagem”! Eu lhe sorri e respondi com uma pergunta: Eu não te falei que meu amigo era mais forte que você?
É bom ressaltar que o grandalhão foi recolhido sob o aplaudo da maioria dos atleticanos que estavam ali presentes e foi sozinho, pois os amigos debandaram.
Bem, veio o segundo tempo e o Atlético segurou o resultado e se sagrou campeão. Os atleticanos foram embora alegres com o título e nós, Cruzeirenses fomos com a satisfação de termos colocado água no chopp deles.
Enfim, todos felizes! Bem, nem todos, pois o grandalhão foi recolhido à carceragem do estádio e não sei quanto tempo ficou por lá. Acho que nas obras de reforma do estádio para a copa do mundo, algum operário deve ter encontrado o afoito campeão de lutas e deve tê-lo libertado.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Paz nas quadras e fora delas

Rivalidade é muito salutar e nos ensina a valorizar nosso esforço no sentido de sobrepujar nossos adversários através da competição sadia e cordial. Ser rival não significa ser inimigo. A rivalidade pode, inclusive, proporcionar sinceras amizades, através do convívio constante nas disputas esportivas. É muito salutar ver o encontro de atletas antes dos jogos, quando reencontram os amigos com quem já jogaram pelo seu time e agora estão em lados opostos: se abraçam, conversam, se inteiram sobre os familiares e, muitas vezes, combinam um encontro, se possível, após a partida para continuar o papo e colocar os assuntos em dia. Acontece no futebol, no vôlei, no basquete e em vários esportes. Durante as partidas, são rivais e se doam pelos seus clubes. Após as partidas são camaradas e amigos.
É uma pena que nem todos pensem assim. Há, inclusive, pessoas que incentivam o contrário, promovendo a discórdia e incentivando a violência e o anti-jogo. Pessoas que se acham acima do bem e do mal e que tudo o que puderem fazer para ganhar, justificará os meios de como conseguir a vitória.
Recentemente, tivemos uma demonstração de como funcionam tais coisas em um jogo de vôlei da Superliga 2011/2012. Jogaram em Contagem os times do Cruzeiro e do Vôlei Futuro. Neste momento, ouso dizer que se trata da maior rivalidade existente dentro do voleibol nacional, devido aos grandes recentes embates e também ao altíssimo nível dos jogadores e treinadores das duas equipes.
Na sexta-feira, antes da partida e como de costume, o ginásio foi liberado para a equipe visitante fazer seu treinamento e reconhecer o local do jogo. Após o treino da equipe da casa, a delegação do VF entrou em quadra e estava fazendo o seu treinamento, que transcorria normalmente até que aconteceu uma queda de energia em quase toda Minas Gerais, chegando inclusive, a causar o desligamento da energia em algumas cidades do estado do Rio de Janeiro. Logicamente o treino teve que ser paralisado e como o apagão durou alguns minutos, preferiram cancelá-lo. Aí começou o anti-jogo...
Em janeiro o Cruzeiro foi a Araçatuba enfrentar a equipe do VF pelo turno da competição. No dia anterior foi realizar o seu treinamento no ginásio Plácido Rocha e, quando iniciava suas atividades, a energia foi cortada. Empregados da manutenção explicaram que se tratava de um apagão e que não teriam como religar as luzes. Detalhe: o apagão aconteceu somente no ginásio, pois toda a vizinhança estava acesa. No dia do jogo, o time mineiro venceu por 3x2 sendo que o ponto da vitória foi resultante de um cartão amarelo ao competente técnico da equipe paulista. Os mineiros tiveram que sair do ginásio escoltados pela polícia, conforme foi noticiado por vários meios de comunicação.
Feito esse aparte, retorno à partida de Contagem. Ao verem a luz desligada, alguns membros da delegação viram na queda de energia uma retaliação do golpe baixo aplicado em São Paulo. E partiram para a violência. Quebraram cadeiras do estádio, vandalizaram o vestiário jogando papel higiênico usado e molhado no teto, arremessaram as placas de propaganda nas cadeiras onde o público se assenta e deixaram um singelo recado através de um bilhete deixado no vestiário com os dizeres: "Eu já sabia"!


É a prova cabal que já estavam preparados para uma atitude anti-desportiva em retaliação ao mal feito em Araçatuba. Só que se deram mal. Penso que, ao se dirigirem ao hotel, devem ter percebido que não era a resposta do Cruzeiro ao ocorrido em janeiro e sim um apagão como os que tem acometido os brasileiros de vez em quando.
No dia do jogo, tiveram que usar o vestiário do jeito que haviam deixado, com os papéis sujos pregados no teto, afinal , não houve tempo hábil para contratar uma empresa que conseguisse limpar o teto. O cheiro no vestiário não estava bom...
Após o jogo, a PM foi novamente acionada para fazer um boletim de ocorrência no vestiário, pois mais cadeiras foram quebradas.

Não é de hoje que o Vôlei Futuro proporciona tais episódios, querendo ganhar no grito e na intimidação. Ano passado, após o lamentável episódio ocorrido no ginásio de Contagem tentou, de todas as maneiras, retirar o mando de campo do Cruzeiro, usando sórdidos artifícios de bastidores que não deram resultado. A prova de que tal incidente foi um ato isolado, foi a recepção que a torcida do Cruzeiro proporcionou aos jogadores do VF antes e depois dos jogos que aqui ocorreram após aquela fatídica partida. É bom ressaltar que o atleta vilipendiado naquela data, foi um dos mais festejados no último jogo, tirando fotos e distribuindo autógrafos e simpatia aos seus novos fãs. Durante a partida, no último set, o oposto Lorena passou a provocar a torcida e recebeu o troco em apupos. Após o jogo, o que mais se ouviu fora do ginásio eram elogios à força do jogador e comentários de como seria bom para a torcida do Cruzeiro ter um atleta tão emocional assim. Seria a torcida mais vibrante com um ídolo super vibrante.
Por fim, a prova de que a rivalidade transcende o campo esportivo, se traduzindo em raiva e despeito, foi a resposta que recebi do treinador da equipe paulista após o jogo. Estava conversando com dois ex-atletas do Cruzeiro que agora jogam no Vôlei Futuro, Bob e Piá, quando o técnico passou por mim e fiz um comentário com ele e com os dois. Disse que haviam errado em escolher as cores do uniforme do dia, que eram o preto e branco. Que a especialidade do Cruzeiro era vencer os times de preto e branco (em alusão às cores de nosso rival no futebol mineiro). Os jogadores entenderam e riram muito. O treinador não. Me disse: "O senhor é muito engraçadinho"! E saiu fulo da vida. A atitude dele refletiu bem o estado de espírito dos que dirigem a agremiação de Araçatuba. Os atletas recebem tal carga negativa e extrapolam, como aconteceu dentro do vestiário com alguns. 
O que aconteceu já era esperado, afinal, eles "já sabiam"...
Da parte do Cruzeiro, cabe levantar a bandeira branca e lembrar aos rivais que o jogo é jogado dentro das quadras e a vitória persegue aqueles que se preparam para o jogo e apenas para o jogo. Os últimos resultados dos encontros entre as duas equipes têm mostrado sobejamente como tal assertiva é correta.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A primeira vez que vi o Cruzeiro jogar!

Em 1921 o Presidente do Estado de Minas Gerais era um mineiro nascido em Viçosa. Seu nome era Arthur Bernardes. Foi o responsável pela instalação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária em sua cidade natal, que depois tornou-se a Universidade Federal de Viçosa. Em suas viagens da capital federal para a sua Viçosa, durante seu mandato de Deputado Federal (1915-1917), usava os trens da Leopoldina que passavam pelo distrito de Rochedo de Minas (São João Nepomuceno), atravessando a Fazenda do Rochedo. Tal fazenda era uma das maiores produtoras de café de Minas Gerais e do Brasil e era exemplo de produtividade e dinamismo na economia cafeeira, entusiasmando muito o futuro Presidente da República. O deputado Arthur Bernardes conhecia o proprietário da Fazenda, que se chamava Coronel Antenor Marques, e procurou saber quem era o administrador que tão bem cuidava daquela joia produtiva. Era o italiano Antonio Cescotto o responsável.
O deputado virou Presidente do Estado e convidou o italiano para que viesse a Belo Horizonte para participar das negociações sobre a fundação de uma escola agrícola na cidade natal do mandatário estadual. Era o mês de dezembro de 1920.
Nos dias que aqui passou, encontrou amigos diversos e se enturmou com os membros da comunidade italiana da capital. Foi convidado para uma reunião que cuidaria da fundação de um Clube que reuniria os italianos. Em 02 de janeiro de 1921, Antonio Cescotto, na sede da Società di Mutuo Socorso de Minas Gerais viu nascer o nosso Palestra Italia.

Em 1967 eu e minha família mudamos de Governador Valadares para Belo Horizonte. Fomos morar no bairro Santo Antônio e fui matriculado no pré-primário no Instituto Padre Machado. Criança muito curiosa, notei que as "peladas" no pátio do colégio dividiam a meninada em três grupos que montavam seus times: atleticanos, americanos e cruzeirenses. A esmagadora maioria era atleticana, fazendo com que o time deles tivesse sempre mais gente para jogar. Às vezes os cruzeirenses tinham que se juntar com os americanos para formarem um time completo. O assunto era sempre o futebol e, a conquista da Taça Brasil pelo Cruzeiro em dezembro do ano anterior, fazia com que os ânimos se aflorassem. Eu tive que escolher um time para jogar nossas "peladas" e assim, escolhi o time azul. Menino sempre escolhe o time campeão.
Meu pai já morava há algum tempo em Belo Horizonte e já frequentava o Mineirão. Eu e meu irmão mais velho insistíamos muito com ele para que nos levasse para conhecer o estádio, que era conhecido como o "segundo maior estádio de futebol coberto do mundo"!
Em 05 de março de 1967, um domingo, meu pai anunciou que iríamos conhecer o estádio e que o jogo seria um derby da cidade: Cruzeiro x Atlético. Imagina a emoção que tomou conta de mim! Assistir um clássico! É bom lembrar que àquela época os jogos no Mineirão eram um belo programa dominical familiar, com os pais levando seus filhos para o estádio. Meu pai reuniu os filhos e juntamente com minha mãe, pegou nosso Aero Willys e seguimos pela avenida Antônio Carlos (naquele tempo não tinha Catalão) até chegarmos ao Mineirão.
Indescritível a sensação de grandiosidade que o estádio me causou, ainda mais por ser criança e bem baixinho. Parecia que estava para entrar em uma nave espacial! Ao entrar no estádio nos dirigimos para o setor das cadeiras cativas ficando postados mais próximos da grade que nos separava da arquibancada onde ficava a torcida dos italianos. Naquele dia fiquei conhecendo a História do time que havia nascido Palestra (sob os olhares de meu avô) e tinha se tornado Cruzeiro por causa da guerra para a qual meu pai havia sido convocado. Percebi que a simpatia que sentira pelo Cruzeiro quando o escolhi nas brincadeiras do Padre Machado não havia sido à toa.
A torcida atleticana dominava mais da metade do Mineirão e era muito animada. Os gritos de galo ecoavam pelo estádio que recebeu naquele dia, quase cem mil pessoas! A nossa torcida, em menor número, fazia um barulho ensurdecedor comandada pela bateria do grande cruzeirense Aldair Pinto. Havia um batuque característico que sempre terminava com um assovio e me impressionou muito. Acho que aprendi a assoviar naquele dia!
Começou o jogo e os cânticos aumentaram de volume. Buião desceu perigosamente pela direita, cruzou sob medida para Laci, que dominou e chutou certeiro. Porém Raul, o goleiro da camisa amarela, fez um bela defesa. Como era um dia de muitas escolhas e decisões, também decidi que seria goleiro no time de futebol do colégio, pois queria se igual a Raul.
Aos 30 minutos do primeiro tempo, Evaldo abriu o marcador. Como comemorei! Minha mãe, com minha irmã no colo, me deu muitos beijos. Como beijo de mãe é bom! Pedi a Deus mais gols para ganhar mais beijos. Meu pai prometeu que a cada gol do Cruzeiro ganharíamos um Chicabon! Ganhei um beijo e um picolé.
Veio o intervalo e começou o segundo tempo. Mal começou e Evaldo repetiu a dose: 2x0! Mais beijos da mãe e mais um picolé!
Natal, o diabo louro, ponta direita super veloz que era, partiu decido rumo ao gol e fez o terceiro! Que alegria! Deus realmente gosta das crianças, atendeu meu pedido! Mais beijos e mais um chicabon. Minha mãe alertou que aquele seria o último, pois daquele jeito, com certeza viria uma bela dor de garganta.
Em dia de estréia, lembro-me que foi a primeira vez que tive a vontade de chamar um técnico de burro: mas não o fiz. Aliás, nunca vaiei meu time e muito menos chamei nosso técnico de burro. O treinador, à época, era o sr. Ailton Moreira, que tirou de campo Evaldo e Natal, justamente os que tinham feito os gols! Não entendi. Entraram Marco Antonio (que depois se tornaria um dos meus melhores amigos na Caixa Econômica Federal) e Wilson Almeida. E não é que o Wilson Almeida ainda fez o quarto gol? Fiquei feliz de não ter chamado o técnico de burro, mas triste pois não ganhei meu quarto chicabon. Pelo menos ganhei os beijos de minha mãe.
O retorno do Mineirão foi fantástico! As pessoas ficavam de pé na calçada da avenida Antônio Carlos e nós íamos com as janelas do carro abertas com as bandeiras, que minha mãe fizera em sua máquina de costura, para o lado de fora. Passar pelo IAPI era uma festa! Muita gente comemorando e batendo palmas! Tudo era novidade!
Bem, foi uma belíssima estreia! Comecei ganhando de 4x0 do rival.
Só não pude estrear a gozação sobre os amigos atleticanos de colégio, pois na segunda-feira não fui à aula. Com tanto chicabon a garganta realmente inflamou...
E eu nem imaginava que um dia ganharíamos de seis!